Seminário

Comparação entre EUA e Brasil encerra encontro sobre segurança

Para o ex-chefe de Segurança da Polícia de Los Angeles, Michel Parker a integração entre a população e os poderes inibe a criminalidade

  • Painel "O modelo americano e o modelo brasileiro de justiça, a violência e a criminalidade" no Seminário Internacional Um Pacto Brasileiro pela Segurança. Na foto, Michael Parker, ex-chefe de segurança da polícia de Los Angeles / EUA.
    Michael Parker expôs modelos de segurança implantados nos Estados Unidos (Foto: Ederson Nunes/CMPA)
  • Painel "O modelo americano e o modelo brasileiro de justiça, a violência e a criminalidade" no Seminário Internacional Um Pacto Brasileiro pela Segurança.
    O procurador Marcelo Monteiro, o general Carlos Goellner e o ex- ministro Nelson Jobim propuseram uma reflexão sobre a segurança (Foto: Ederson Nunes/CMPA)

“É necessário alinhar o sistema, tirar as paredes, inspirar as confianças e trabalhar em equipe." Assim sugeriu Michael Parker, ex-chefe de Segurança da Polícia de Los Angeles, consultor em Segurança da The Parker Group/EUA, no último e um dos mais esperados painéis do Seminário Internacional Um Pacto Brasileiro pela Segurança, realizado durante todo o dia nesta sexta-feira (3/8) na Câmara Municipal de Porto Alegre. O painel tratou do modelo norte-americano e brasileiro de justiça, violência e criminalidade. 

Antes de passar a palavra a Parker, o presidente da Câmara, vereador Valter Nagelstein (MDB), destacou que o seminário foi de grande valia para a população e que a presença de todos os palestrantes trouxe visões e dados tão fundamentais para contribuir na discussão da segurança.

Em sua palestra, Michael Parker ressaltou a prevenção e a integração como os principais fatores de redução da violência. “Sobre assassinatos nos EUA, em 1996 o crime cresceu muito dentre 250 mil habitantes. As cidades maiores tiveram os assassinatos como o crime de maior aumento e três vezes mais pessoas assaltadas e assassinadas, por causa de drogas e jogos, segundo ele.

Conforme o consultor dos EUA, a taxa de homicídios para o número de 100 mil residências subiu até 25% naquela época. “Quando os Estados Unidos começaram a envolver as comunidades a participar das ações da polícia, as ocorrências mudaram de forma drástica, o crime caiu e o número de assassinatos diminuiu em 50%. Em Los Angeles, foi reduzido em 1%. Em Nova York, Chicago e Baltimore, a situação não era diferente do Brasil nos anos 90: eram cinco assassinatos para cada 40 mil pessoas”, completa. 

O ex-chefe de segurança disse ainda que, quando o modelo de ação foi modificado com a integração das pessoas, o serviço das polícias foi um sucesso. “À medida que o tempo passava, o crime aumentava, e isso acabava se tornando comum. Então, o governo incentivou os pequenos distritos através de prêmios para as polícias que conseguiam lidar de forma correta com as diversas situações ocorridas nas cidades, e isso era feito através da ajuda das pessoas daquelas localidades”, disse.

Sobre a capital gaúcha, Parker afirmou que, comparandoLos Angeles e Porto Alegre, teve um choque de realidade com a questão da iluminação. “Isso é segurança. A iluminação também previne o crime, e a polícia tem mais sucesso. Vi Porto Alegre com muitos pontos de escuridão. Nos EUA, as pessoas contribuem com a iluminação e ajudam com uma porcentagem na manutenção das lâmpadas públicas e se sentem responsáveis por isso, pela segurança de todos nas ruas. Isso dá poder de responsabilidade e inibe a criminalidade”, disse. 

Ações nos EUA

Parker traçou as principais ações que funcionam nos EUA. “A polícia precisa de recursos, e os policiais precisam ser pagos adequadamente. Se não oferecer condições ideais, isso abre um precedente para a corrupção. A tecnologia também tem investimento, pois agiliza as ações de rua e junto à população, que participa intensivamente. Disponibilizamos as estatísticas na internet, a todos, assim ocorrem melhorias em locais de maior criminalidade, atraindo mais pessoas a investirem naqueles locais, afastando os criminosos. A polícia se comunica com o público, educando, informando e incentivando na redução do medo e do crime. Como a informação é compartilhada, a população acaba sendo um agente contra o crime”, finaliza. 

Rio de Janeiro

Marcelo Rocha Monteiro, procurador do Ministério Público do Rio de Janeiro, elogiou a iniciativa da Câmara Municipal de Porto Alegre de realizar um grande seminário sobre segurança pública. “Não vejo essa preocupação na Câmara da cidade do Rio de Janeiro. Cidade que, inclusive, teve uma vereadora recentemente assassinada”, lamentou.

Monteiro se disse envergonhado ao comparar dados dos Estados Unidos e do Brasil. Segundo ele, nos EUA, onde em 1994 se iniciou a política de tolerância zero, a média anual é a de cinco mortes para cada 100 mil habitantes. Já no Brasil - “onde em 1995 foi aprovada a Lei 9.099, que criou os Juizados Especiais e a flexibilização das punições para crimes considerados de menor potencial ofensivo, passando da prisão para a multa, trabalhos comunitários, pagamento por cestas básicas e reduções de pena - chegamos a mais de 61 mil homicídios em 2017, que correspondem a 30 para cada 100 mil habitantes, e onde apenas 8% têm a autoria identificada”.

“Estamos chegando a um tal grau de criminalidade no Brasil, que, ao contrário do que se imaginaria, da iluminação a serviço do combate à violência, é comum vermos os criminosos se expondo em redes sociais, de cara limpa e com armamento pesado, tudo pela certeza da impunidade”, criticou. Monteiro ressaltou que isso ainda se agrava diante do uso de menores para o crime, pela fragilidade da legislação que imputa baixa responsabilização a menores de 18 anos. “Eles são usados no Rio como mão-de-obra eficaz pelo tráfico, pois a pena de reclusão em instituições, nos casos de homicídio, é, em média, de nove meses”, declarou.

Para o promotor do Rio, “enquanto se tratar o criminoso com pena e não houver a inversão de valores para que se dê atenção às vítimas, mudando a concepção desses 30 anos de legislações lenientes e tolerantes à pratica de atos violentos, em quais níveis forem, a situação não irá mudar”.

Crime organizado e intervenção

O general Carlos Bolivar Goellner, representando o Ministro de Estado e Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência do Brasil, falou sobre a criminalidade como crise. Enfatizou que a segurança pública está em crise, e a atuação da intervenção é necessária. “Vemos os indicadores que geram incertezas e que viram riscos. A capacidade de gerenciamento fica restrita, e perdemos o controle da situação. O próximo passo da crise é o caos. Temos que quebrar paradigmas e nos indignar para ter a condição de alertar. Para colocarmos soluções estruturais, temos que resolver a crise. Para que possamos implantar as medidas necessárias".

Goellner ratificou que a polícia precisa de condições para que fique de igual para igual com os criminosos, estruturando-se e qualificando-se. "Por isso que a intervenção foi necessária na Copa e está sendo agora no Rio de Janeiro", disse. Conforme o general, o crime organizado é um grande negócio, pois existem clientes fiéis para as drogas, que geram dinheiro, sem regras e com administradores competentes. “É fundamental quebrar as lideranças, assim como foi feito na Lava-Jato. Deixo como mensagem que temos que considerar o crime organizado como uma crise e temos que realizar uma intervenção. Não podemos negar as verdades. Devemos ter foco e acreditar que tem solução”.

Disputa pelo poder

O último palestrante do seminário foi Nelson Jobim, ex-ministro da Justiça e do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele criticou a disputa pelo poder entre setores, como os de policiamento, promotoria, defensoria pública e judiciário e defendeu como caminho, para a mudança da realidade de falência atual do sistema, a integração e o diálogo. Disse que as causas da violência são importantes, mas não devem ser tratadas como uma questão de segurança pública e sim por outros setores governamentais.

Jobim apontou a regionalização das atividades policiais como uma saída. “É nas cidades que a violência acontece e onde os indivíduos são atingidos”, disse, ao sugerir que, ao menos as capitais dispusessem de suas próprias polícias. O ex-ministro ainda disse que é preciso definir o real exame das competências das polícias, que, em muitos Estados, “o que não é mais o caso do Rio Grande do Sul”, têm atribuições que extrapolam o combate à criminalidade, como o de registro de veículos e expedição de carteira de habilitação. “Não se trata de retirar poder, mas de dar efetividade às verdadeiras funções da polícia", frisou.

Outro ponto abordado por Jobim foi a necessidade do reexame de cargos e patentes, para que sejam similares entre as polícias Militar e Civil. “Desaparece a concorrência e se estabelecem linhas de tratamento horizontais e não mais verticais”, justificou. Também ponderou ser interessante que seja adotada uma porta de entrada única para as polícias civis e militares. “Assim teriam uma formação básica e depois uma preparação específica. Isso seria o começo de uma integração entre as polícias”, projetou.

O ex-ministro ainda falou sobre a necessidade de desaquartelar as polícias militares, entendendo que não se justifica mais “a cópia de determinados vieses que são cabíveis aos militares de infantaria”. Seria preciso um maior controle das fronteiras por monitoramento e moderno sistema de mobilidade para a efetiva presença em casos de necessidade e a unificação dos serviços básicos, especialmente do setor de comunicação entre os Estados e as instituições que atuam no campo da segurança.

Antes de encerrar o seminário, o presidente da Câmara, Valter Nagelstein, agradeceu a presença de todos e entregou os certificados de participação e um livro sobre a Revolução Farroupilha a todos os palestrantes.

Texto: Priscila Bittencourte (reg. prof. 14806)
          Milton Gerson (reg.prof. 6539)
Edição: Claudete Barcellos (reg. prof. 6481)