Audiência pública

Projeto das Unidades de Conservação gera polêmica

Sustentabilidade indígena foi discutida hoje no Plenário Otávio Rocha Foto: Elson Sempé Pedroso
Sustentabilidade indígena foi discutida hoje no Plenário Otávio Rocha Foto: Elson Sempé Pedroso

Representantes da comunidade indígena de Porto Alegre e dos artesãos da Feira de Artesanato do Brique da Redenção participaram, na manhã desta terça-feira (28/4), de audiência pública promovida pela Câmara Municipal. Realizada no Plenário Otávio Rocha, a audiência debateu políticas públicas que garantam a sustentabilidade indígena na Capital e a tramitação de projeto de lei complementar do Executivo que institui o Sistema Municipal de Unidades de Conservação da Natureza de Porto Alegre (Smuc-PoA).

Como proponente da audiência pública, o coordenador do Núcleo da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Porto Alegre, João Mauricio Farias, salientou que o sustento principal dos indígenas é o artesanato. "A sociedade precisa se dar conta de que eles eram os originários desta terra e têm direito de acessar este espaço. Precisamos criar regramentos que facilitem convivência com a cultura indígena." Farias destacou que a comunidade indígena da Capital pede a ampliação do espaço para exposição no Brique. Eles também reivindicam o acesso à matéria-prima.

Segundo Farias, um documento foi construído por entidades que apoiam a questão indígena e apontam que o projeto que trata do Smuc precisa contemplar o direito indígena, abrindo a possibilidade de que parques ambientais de uso sustentável da Capital possam abrigá-los. "Em projetos que afetam os direitos indígenas, como o Smuc, precisa haver uma consulta prévia, ouvindo e agregando propostas indígenas. Não é uma questão político-partidária.", disse Farias. Ele sugeriu que haja um "congelamento" do projeto pelo Executivo, a fim de que se possa melhorar a proposta.

Coordenando a audiência, o vice-presidente da Cãmara, vereador Adeli Sell (PT), lembrou que houve pedido para que o projeto sobre o Smuc tramitasse em regime de urgência urgentíssima na Casa. No entanto, informou, não houve acordo, e o projeto tramitará pelas comissões permanentes da Câmara, já existindo 33 emendas propostas. Adeli também solicitou que as notas taquigráficas dos debates realizados na audiência sejam anexados ao processo sobre o Smuc. "O projeto será amplamente discutido."

Aceitação

João Carlos Padilha, da comunidade do Morro Santana, afirmou que seus integrantes procuram espaço para sobreviver em Porto Alegre. Reivindicando que a sociedade aceite a cultura indígena, Padilha diz que o Município e a sociedade devem abrir espaço para que os índios possam viver com dignidade. "Nossa inclusão social ainda é muito precária. A aceitação dos índios que chegaram a Porto Alegre nos anos de 1980 foi péssima, foram jogados em uma reserva.", diz Padilha.

Para Evilásio Domingos, da Associação dos Artesãos do Brique da Redenção, a criação de um espaço para a cultura indígena sempre teve o apoio dos artesãos. Marginalizados como artesãos, diz Domingos, o Brique possibilita à comunidade comercializar o artesanato e a divulgação das questões das minorias indígenas. "Houve uma luta para a ampliação do espaço no Brique; no entanto, não houve cadastramento pela prefeitura."

O acordo estabelecido em 2003, definindo o espaço para o artesanato indígena, nunca foi cumprido, segundo o artesão. Foi pedido, então, ao Ministério Público que estabelecesse a validade do acordo. "Não fazemos discriminação e queremos igualdade entre expositores. Mas é importante que o Brique se mantenha com trabalhos de características artesanais", disse ele, se referindo à comercialização de produtos industrializados por parte dos índios.

O vereador Engenheiro Comassetto (PT) afirmou que a Lei Orgânica Municipal (LOM) de Porto Alegre já garante direito de acesso à terra, ao trabalho e à assistência social aos povos indígenas. Segundo o vereador, o Executivo municipal deve respostas a pedidos feitos há dois anos, quando foram realizadas as primeiras audiências públicas sobre o tema. "Se queremos trabalhar a sustentabilidade indígena, temos de aplicar o que diz a LOM", disse Comassetto. "Todos têm direito de utilizar o espaço público para comercializar seus produtos."

Etnias

O professor Antonio Ruas, da Universidade Estadual do RS (Uergs), informou que existem três etnias indígenas em Porto Alegre: caingangue, guarani e charrua, que somam cerca de 700 índios na Capital. Ele lamentou a ausência de representantes indígenas nos conselhos que regem as Unidades de Conservação (UCs) e manifestou preocupação pela possibilidade de que as UCs venham a ser geridas por organizações da sociedade civil de interesse público (Ocip). "A comunidade indígena é aliada na preservação ambiental."

Para o representante do Ministério Público, Juliano Stella Karam, não existe incompatibilidade entre UCs e sustentabilidade indígena. Ele lembrou que, desde o ano 2000, existe lei federal que trata do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), prevendo UCs de proteção integral e as de uso sustentável (com presença humana). "É necessário compatibilizar direitos dos povos tradicionais e a conservação ambiental. A Constituição Federal garante a sobrevivência e a existência desses povos tradicionais.", disse Karam. "É louvável que Porto Alegre tenha seu Smuc, é preciso buscar o equilíbrio entre interesses, de modo compatível com outras normas do país."

O representante da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Segurança Urbana, Luiz Fernando Caldas Fagundes, salientou que o modo de produção indígena é completamente diferente do modo tradicional não-indígena. "No modo indígena, há uma construção coletiva que envolve conhecimentos milenares, ensinamentos e religiosidade. O que é construído não é utilizado apenas para comercialização, mas também para seus familiares." Fagundes informou que um estudo da Carris deverá definir se é viável o passe livre no transporte coletivo para os indígenas.

Smuc

Enviado à Câmara Municipal em 2007, o projeto de lei complementar do Executivo que institui o Sistema Municipal de Unidades de Conservação da Natureza de Porto Alegre (Smuc-PoA), se aprovado, estabelecerá critérios e normas para criação, implantação e gestão das Unidades de Conservação (UCs). As UCs se constituem das estações e reservas biológicas, parques naturais municipais, monumentos naturais e refúgios da vida silvestre.

Pela proposta, o Smuc será constituído pelas UCs situadas total ou parcialmente no município. O objetivo é preservar os ecossistemas de Porto Alegre e suas águas jurisdicionais, proteger as espécies nativas, em especial as ameaçadas de extinção, promover o desenvolvimento sustentável e resguardar as paisagens naturais, entre outros pontos.

O Smuc será integrado aos Sistemas Estadual e Nacional de Unidades de Conservação. Farão parte do Smuc a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam), que coordenará e administrará o sistema, o Conselho Municipal do Meio Ambiente (Comam) e os conselhos consultivos das UCs. O projeto deverá passar pelas comissões permanentes afins da Câmara Municipal. Somente depois entrará na ordem do dia para votação em plenário.

 

Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)

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