Associações defendem nova concepção para o Cais Mauá
Situação do local foi discutida em audiência pública realizada na Câmara Municipal
Representantes de entidades da sociedade civil organizada e lideranças políticas defenderam nessa quinta-feira (8/8), durante audiência pública realizada pela Câmara Municipal de Porto Alegre, a reformulação do projeto de revitalização do Cais Mauá, com foco no convívio social e na valorização do espaço público. A reunião, presidida pelo vereador André Carús (MDB), foi motivada pela rescisão do contrato, pelo governo do Estado, com o consórcio responsável pelas obras. “Participamos de muitos anúncios na área do Cais Mauá, mas vimos poucas ações concretas. Queremos atualizar a discussão sobre as obras. Porto Alegre tem que se apropriar deste tema para que as pessoas que serão as futuras usuárias participem efetivamente do processo”, afirmou Carús na abertura do encontro.
Representante da Superintendência dos Porto do Rio Grande do Sul, o engenheiro Carlos Eduardo Garcia relatou os trâmites do contrato com o consórcio Cais Mauá até a sua rescisão unilateral. “Permaneceram praticamente o ano de 2018 inteiro sem a prestação de seus serviços contratuais”, explicou. Os itens de inadimplência apontados pelo Estado foram a falta de pagamentos contratuais decorrentes do arrendamento; inexecução do cronograma de revitalização; perda das habilitações financeiras; perda de licenças pertinentes; retardo para obtenção de licença dos demais territórios (a exemplo da área do Gasômetro); não execução de contrapartidas, como demolição de alguns prédios operacionais e a construção de novos; e a falta de zeladoria da área, o que resultou na deterioração das estruturas existentes.
“Houve notificações, pareceres internos de governo que examinaram todos os documentos anotados pelo gestor do contrato, e chegou-se a um termo de rescisão”, descreveu Garcia. O termo de rescisão, realizado primeiramente no âmbito administrativo,recebeu recurso do consórcio Cais Mauá, o qual foi indeferido. “Não satisfeita com o indeferimento, a empresa levou o contrato e a rescisão a juízo e isso é a figura que temos agora”, concluiu. Carús informou que o consórcio Cais Mauá foi convidado para a audiência pública, mas optou por não participar de debates públicos até a resolução do caso na justiça.
Relevância
Para Francisco Marshall, presidente da Associação de Amigos do Cais do Porto (Amacais), a área do Cais é um espaço público de alta relevância para a cidade e estratégico do ponto de vista cultural e político. “A cidade perdeu nove anos na expectatva de todos de usufruir daquela área. Por que perdemos tanto tempo com essa negligência?”, questionou. Marshall também afirmou que o projeto foi desconfigurado do ponto de vista arquitetônico. “Há uma demanda imensa de fruição do espaço público, de convívio e de desenvolvimento cultural. A sociedade civil, atenta a isso e desdenhada pelo governo, já apontou questões como colocar um shopping center num ambiente de parque”, destacou. Para ele, a proposta do governo do Estado de fazer de forma emergencial apenas o chamado Cais Embarcadeiro conflita com os armazéns tombados, “maior patrimônio histórico de Porto Alegre e que tem potencial para a economia criativa”. Em sua visão, abrir o Embarcadeiro sem o compromisso de restauro dos armazéns praticamente extingue a possibilidade de que isso ocorra no futuro.
Com relação à contratação do consórcio Cais Mauá, Marshall afirma que “houve um processo viciado, já que o vencedor participou da construção do edital”. Ele também disse que a Amacais desde o início do projeto apontou que a empresa nãopossuía condições técnicas nem financeiras para realizar a obra. “O consórcio não se capacitou para realizar esta obra e isso foi acobertado por entidades governamentais. É preciso que a esfera pública atue como esfera pública. É preciso que se atente para isso para fazer as correções necessárias”, ressaltou.
Qualificação
A deputada estadual Sofia Cavedon (PT) destacou a dedicação dos associados da Amacais ao longo dos anos denunciando “que ali havia uma usurpação do espaço público”. Para a parlamentar,o projeto “está zerado”. “A lei do regime urbanístico, de 2010, tem um artigo que diz que caducaria em dois anos. Entendo que precisa ser feita uma nova lei e desta vez ouvindo a sociedade e aproveitando o potencial da área. Um shopping center pode ser construído em qualquer lugar”, afirmou. Cavedon argumentou que a sustentabilidade pode ser obtida com a economia criativa e oportunidades de lazer. Ao criticar a postura do consórcio, disse que “se de um lado precisamos retornar ao zero, de ouro nossa preocupação é que o Estado se coloque de maneira soberana e muito forte”. A deputada ainda sugeriu uma vistoria à área do Cais para verificar in loco sua situação.
José Fonseca, do coletivo A Cidade que Queremos, lembrou que entidades da sociedade civil questionam há nove anos a qualificação do consórcio. “Era para devolver o Cais à cidade de Porto Alegre ou era um plano de negócios? Falávamos muito sério sobre isso e éramos taxados de caranguejos, que não queriam o desenvolvimento da cidade. Nós somos favoráveis à revitalização, mas com outra concepção”, afirmou.
Regime Urbanístico
Para Silvio Jardim, representante da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), a rescisão do contrato é a constatação prática do que os movimentos sociais vinham alertando, “seja pela empresa, seja pelo projeto em si”. “Defendemos um projeto onde o espaço seja aberto ao público, integrado aos esforços que o município de Porto Alegre vem fazendo de revitalização da orla”, afirmou. Jardim ainda destacou esperar “que negócios escusos não estejam presentes na remodelagem” e defendeu que seja um projeto de integração com a sociedade do centro de Porto Alegre, que hoje convive com altos índices de poluição do ar. Ao falar sobre a preservação do patrimônio histórico cultural, comparou-o a um álbum de fotografias da família, onde se vê a nossa história.
O deputado estadual Sebastião Melo (MDB) lembrou que o projeto de revitalização é coordenado pelo governo do Estado e atravessou diferentes gestões. “Coube a esta Casa dar o regime urbanístico. Veio para cá como se fosse a salvação da pátria, mas o projeto apresentado não é o que foi aprovado depois. Foi vendido gato por lebre”, afirmou. Segundo Melo, “o governador, com a mão direita rompeu o contrato, mas com a mão esquerda deu outro parecer dizendo que empresa sem licitação - a Estampar, empresa de estacionamento - pode explorar a área. Quero entender esse negócio, pois é uma subcontratação do Cais Mauá. Rompeu-se com a Cais Mauá, que era quem tinha licença, e seu deu para outra empresa”, alertou. Com relação aos armazéns, o parlamentar defendeu que o Estado faça uma manutenção mínima dos mesmos. “Não tem como proteger aquilo que não existirá mais”, afirmou. Ele ainda defendeu que a cidade seja para as pessoas, ao invés de carros, e sugeriu um plano diretor das áreas públicas de Porto Alegre.
“Ninguém é contra o projeto, mas à forma que faz com que ele não seja a cara postal de Porto Alegre”, afirmou Emílio Merino, representante do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU). Ele ainda alertou para os altos impactos que o atual projeto pode produzir, destacando a questão do trânsito. “Das 12 intersecções, nove apresentavam problemas gravíssimos. A criação de 1.600 vagas de estacionamento em uma área delicada terá impactos brutais”, afirmou. Conforme o arquiteto, os estudos da Prefeitura não levaram isso em consideração, pois “trataram apenas das compensações econômicas”. Ele ainda parabenizou os políticos presentes pela visão de cidade voltada às pessoas.
Concepção
Para o vereador Marcelo Sgarbossa (PT), o governo deveria “cobrar desse consórcio o tempo que ele privou os porto-alegrenses de usar aquele espaço”. Ele relembrou o ingresso de ação popular dizendo que o consórcio não apresentava as garantias exigidas no edital. “Fomos chamados de caranguejo”, afirmou. O parlamentar defendeu um projeto mais simples de revitalização, porém executado em menos tempo para que a população possa usufruir do espaço.
Em resposta aos questionamentos, Carlos Garcia explicou que “a modelagem do futuro está incerta”, pois ainda não definição se vai haver aproveitamento do projeto anterior à licitação ou se vai ser feita uma nova concepção urbanística. Informou, ainda, que as tratativas estão a cargo da Secretaria de Governança e Gestão Estratégica. Sobre a citação negligência, esclareceu que existe um rito a ser cumpridopelos agentes públicos. “Há uma necessidade de ofício, de se trilhar os caminhos processuais completos sob pena de responsabilização”, afirmou.
Como encaminhamentos da audiência pública ficaram definidos o agendamento de uma uma visita à área do Cais com representação da Câmara Vereadores, Assembleia Legislativa e entidades que militam sobre o tema; a solicitação de audiência com a Secretaria de Governança e Gestão Estratégica para esclarecimento dos próximos passos do projeto; e a solicitação à EPTC de estudo do impacto no trânsito. “Temos a oportunidade de recomeçar. Vamos estudar como aprofundar o debate”, afirmou Carús.