Cedecondh

Abordagens das forças de segurança são debatidas em segundo encontro

Abordagem das forças de segurança públicas e privadas (2ª reunião)
CONVIDADOS: Guarda Municipal, Polícia Federal, Brigada Militar, Polícia Civil, Sindicato de Empresas de Segurança Privada do Estado do Rio Grande do Sul – SINDESP, Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Segurança e Administração da Justiça Penal (PUCRS), Coordenadora Adjunta do Departamento de Justiça e Segurança Pública do IBCCRIM Luiza Dutra, Movimento Negro Unificado, Coalizão Negra por Direito, Defensoria Pública, Promotoria de Justiça de Controle Externo da Atividade Policial de Porto Alegre.
Vereador Matheus Gomes (PSOL) sugeriu a pauta desta terça na comissão (Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA)

A ampliação dos processos de integração entre as diversas forças policiais, com demais poderes e a sociedade foi o ponto central do debate ocorrido na tarde desta terça-feira (3/8), em reunião da Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh), da Câmara Municipal de Porto Alegre. A reunião, a segunda sobre a abordagem das forças de segurança, foi aberta pelo vereador Alexandre Bobadra (PSL), que passou a condução dos trabalhos ao colega Matheus Gomes (Psol), proponente da pauta.

Conforme Gomes, a motivação para a discussão do tema é a de encontrar formas de como o Legislativo municipal pode contribuir para melhorar a relação entre as forças de segurança e a sociedade civil. O parlamentar lembrou que a reunião ocorrida em 29 de junho passado contextualizou com a lógica de direitos humanos, situação econômica e desigualdade social ao qual o tema está inserido.

Ressaltou que Porto Alegre apresenta, nos últimos meses, um crescimento da população de rua, de pessoas que enfrentam a insegurança alimentar e, consequentemente, de uma maior segregação do ponto de vista racial, assunto que ganhou maior proporção a partir do assassinato do cidadão João Alberto no estacionamento do supermercado Carrefour. O vereador referiu ainda documento que havia sido publicado pela ONU que apontava para o aumento da desigualdade entre brancos e negros e a necessidade da construção de legislações que levassem em conta políticas voltadas a reversão desse distanciamento.

Matheus Gomes explicou que a proposta do segundo encontro se deu pela ausência, naquela oportunidade, das representações da Brigada Militar, do Sindicato das Empresas de Segurança Privada e de uma participação mais efetiva da Polícia Civil.

O delegado Gabriel Bicca, representando a chefia da Polícia Civil, destacou que a instituição tem por sua atividade constitucional agir para identificar a autoria de crimes já ocorridos e instruir inquérito a ser encaminhado ao poder Judiciário, o que leva a ter, em menor escala que a Brigada Militar, responsável pelo policiamento ostensivo e preventivo, a necessidade de abordagens. Reconheceu, no entanto, que elas ocorrem eventualmente, como a que é demandada pela própria sociedade, na busca por pessoas desaparecidas, feitas com técnicas, a partir de formação ao longo da carreira, que visam resguardar os direitos fundamentais dos agentes e demais envolvidos.

Bicca disse que, em relação à população em situação de rua e vulnerabilidade social a Polícia Civil é procurada com frequência por aqueles que não têm documentos. “Fazemos o registro da ocorrência, o que permite o ingresso em locais de acolhimentos. É algo que acontece especialmente nos meses de inverno”, informou. Ele também destacou outras ações “solidárias” dos policiais que recebem o apoio institucional.

Bicca sugeriu e disse que irá levar ao seu comando a possibilidade de novo encontro, com a participação do delegado Fernando Sodré, que é um “militante” nesse tema para contribuir com o debate. Também fez referência à titular da Delegacia de Combate aos Crimes de Intolerância, delegada Andréia Matos. “Como instituição podemos colaborar, com o aperfeiçoamento e a sensibilização de como deveríamos agir, como policiais, quando houver esse tipo de situação”. Finalizou dizendo compreender a difícil situação de entidades sociais, “que estão entre o mar e o rochedo”, tendo de um lado os órgãos de segurança e de outro o crime organizado.

Em fala pelo Comando do Policiamento da Capital da Brigada Militar (BM), o  tenente coronel Paulo Rogério dos Santos Alberti salientou que a atuação ostensiva e preventiva da corporação tem objetivo a preservação da ordem e a orientação, que faz parte da formação, e para que as abordagens contemplem a preservação dos direitos humanos. Ele reconheceu que excessos são cometidos individualmente por alguns policiais, mas que a crítica não pode ser tratada de forma institucional; e que os abusos, quando denunciados, são analisados em sindicâncias ou inquéritos e, se confirmados, as punições são rigorosas. “Os policiais sabem dos riscos que estão correndo. A impunidade é o que mais buscamos evitar na corporação, mas as informações devem chegar ao nosso conhecimento”

Alberti também falou que a Brigada Militar é acionada pela população para além das suas funções constitucionais, para atuar em casos que deveriam ser enfrentados pelos órgãos de assistência social. E que as ações junto à população de rua na maioria das vezes são demandadas pela própria sociedade. “Precisamos e somos parceiros para buscar alternativas aos problemas sociais, que são uma realidade”, finalizou.

Marcelo Nascimento, comandante da Guarda Municipal, ressaltou que a forma de abordagem é um tema que faz parte do dia a dia do órgão. Ele reforçou que as instituições de segurança são “garantidoras de direitos e não cerceadoras deles”. Mas lembrou que os policiais e agentes atuam sempre sob potencial risco, “o que pode aumentar a chance de falha ou erro”.

Nascimento lembrou que a missão é a de garantir os direitos humanos e a cidadania, “sempre visando a legalidade, buscando o bem estar, a paz social e a resolução dos conflitos”, sendo o uso da força utilizado somente em último caso. Ele reconheceu que existem erros e que é importante buscar a aproximação com a sociedade para corrigi-los.

Em nome da sociedade civil, Felipe Teixeira, coordenador estadual do Movimento Negro Unificado (MNU), declarou que as polícias estão inseridas dentro de um contexto social e, por isso, os problemas relacionados ao racismo e homofobia sempre irão acontecer. Que para inverter essa lógica é preciso estruturar a mudança em toda a sociedade.

Lembrou que foi o próprio Estado brasileiro quem produziu leis que em um passado ainda recente impediam negros de acessar espaços e serviços públicos e privados. “Nenhum policial sai para a rua dizendo que vai ser racista, é um processo cultural e histórico”.

Entre medidas que apontou como necessárias, está o de ampliação de espaços de albergagem para pessoas em situação de rua. Também que a questão das drogas seja tratada como um problema de saúde e não apenas sob a ótica criminal.

Criticou a “uberização” do trabalho e apontou ainda a necessidade de que o Estado brasileiro cuide dos cerca de 27 milhões de cidadãos que estão desempregados ou atuando em subempregos. E lamentou a regressão dos investimentos em políticas públicas, e o congelamento de recursos por 20 anos, que considera “um crime de lesa pátria”.

Por fim, informou que no próximo dia 10, o MNU vai fazer a entrega ao governador de um documento produzido por grupo de trabalho iniciado da morte do engenheiro elétrico Gustavo Amaral, em 19 de abril de 2020, durante uma abordagem da Brigada Militar quando estava a caminho de Marau, no interior do Estado. No texto são feitas sugestões ao governo como o da necessidade de criação de uma instância que acompanhe os policiais envolvidos em situações de violência, seja como vítima ou agressor, lembrando que o suicídio entre agentes da segurança é maior que em outras categorias profissionais. Outra medida apontada é a de criação de uma instância que acompanhe as denúncias de abuso, mas não apenas com a ótica da punição. “É preciso que se estude metodologias para que não ocorram novamente”, destacou.

Por fim, saudou a discussão do tema e que não há como querer apontar o culpado de tudo, “porque o culpado é o sistema”. Sugeriu que a formação etno-racial dentro das instituições deve contemplar a participação de especialistas da academia e dos movimentos, com uma visão diferente da dos policiais. E que é preciso agregar conhecimento, não apenas nas forças públicas, mas também na segurança privada, com maior presença do Ministério Público, Judiciário e da sociedade civil.

Para a vereadora Laura Sito (PT), as instituições de segurança devem “tomar para si a busca de alternativas”. Ela entende que o tema é “complexo e visceral” e tem reflexos em um contexto histórico e cultural. “Deixar o problema no aspecto individual é desresponsabilizar as instituições que podem interferir para romper com um ciclo de violência”, apontou.

A parlamentar disse que não são poucas as denúncias que chegam ao conhecimento da bancada negra, “antes mesmo da posse da legislatura”. Para ela, infelizmente, o tema faz parte do cotidiano e é preciso maior investimento em programas de formação, como os que foram feitos nos governos petistas de Olívio Dutra, no Estado, e federal de Dilma Roussef.

A vereadora disse ainda que os casos ocorrem não apenas com pessoas em situação de rua, mas é recorrente nas comunidades periféricas. “Precisamos pensar de forma mais profunda e central sobre essa temática para romper esse ciclo de violência e combater o racismo institucional que acompanhamos de forma presente em nossa sociedade”.  A reunião contou ainda com a presença do vereador Alvoni Medina (Republicanos).

Texto

Milton Gerson (reg.prof. 6539)

Edição

Marco Aurélio Marocco (reg. prof. 6062)