Comissões

Atlas da Presença Quilombola na Capital é apresentado na Cuthab

  • Atlas da Presença Quilombola em Porto Alegre
    Vereadora Karen Santos (PSOL) presidiu a reunião (Foto: Ederson Nunes/CMPA)
  • Atlas da Presença Quilombola em Porto Alegre
    Onir Araújo falou sobre a luta pelo reconhecimento dos territórios negros na Capital (Foto: Ederson Nunes/CMPA)

A Câmara Municipal de Porto Alegre realizou reunião virtual da Comissão de Urbanização, Transportes e Habitação (Cuthab), nesta terça-feira (7/12), que teve como pauta a apresentação do "Atlas da Presença Quilombola em Porto Alegre/RS". O presidente da Comissão de Urbanização, Transportes e Habitação (Cuthab), vereador Cassiá Carpes (PP), abriu o encontro e passou a condução dos trabalhos à vice-presidente da Cuthab, vereadora Karen Santos (PSOL).

Os dois volumes do Atlas da Presença Quilombola em Porto Alegre/RS, que tem como organizadoras as professoras Cláudia Luísa Zeferino Pires e Lara Machado Bitencourt, foram produzidos pelo Núcleo de Estudos Geografia e Ambiente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com apoio da Capes e CNPQ. O documento traça um panorama geográfico e histórico, desde a origem dos quilombos na Capital, com dados sobre ancestralidades, costumes, regiões e convívio com as demais comunidades ao longo do tempo.

O Atlas

A professora Cláudia Pires fez o compartilhamento de tela do Atlas e relatou que o trabalho reflete o mapeamento de nove territórios quilombolas em Porto Alegre e que o conteúdo do material foi produzido a partir de contatos diretos com pessoas destas regiões. “As informações foram coletadas a partir de suas falas e de seus territórios, sob a perspectiva da relação de como enxergamos a cidade, além da compreensão da periferia, e, nos espaços ocupados, estão os quilombos urbanos.” Cláudia explicou que o documento foi dividido em dois volumes, sendo que “o volume 1 contém estudo de Cartografia Contracoloniais, em que as representações são dos lugares e das falas a partir dos territórios quilombolas”. Já o segundo volume trata das Epistemologias Quilombolas, “em que participam representantes dos movimentos sociais, da universidade e trajetórias nos territórios quilombolas, sobretudo em Porto Alegre”.

Reconhecimento e racismo estrutural

Segundo as organizadoras da publicação, o Atlas não representa apenas um conjunto de mapas, ele reflete a organização e discussão de um Plano Diretor e um projeto de governança e autonomia quilombola para Porto Alegre. A publicação destaca também as áreas quilombolas no estado e no Brasil, através de informações do Incra, Fundação Cultural Palmares e Comissão Pró Índio. A professora Cláudia Pires falou que, a partir do mapeamento de quilombos auto-reconhecidos, certificados e com processo aberto no Incra, observa-se “o abismo entre as comunidades dos que se auto-reconhecem até o processo de titulação efetiva e o racismo estrutural”. Cláudia relata situações de quilombos em outras regiões do país. Ela ressalta, ainda, que o mapeamento revela o enfrentamento das comunidades quilombolas para ter, de fato, a titulação da terra como reparação histórica e geográfica do território, como a base de viver, atrelada ao espaço”.

A professora Cláudia salientou também que no Rio Grande do Sul existe o primeiro quilombo urbano titulado, o da Família Silva. "No estado há 136 territórios auto-reconhecidos e apenas quatro titulados, e isso configura o enfrentamento, que o estado reconhece a partir da certificação da Fundação Palmares.” O Atlas contém o mapeamento de quilombos urbanos e rurais no Rio Grande do Sul e na Capital. Ela chama atenção para o movimento migratório, “em que muitos quilombolas foram forçados a se retirarem de suas terras, por condições de trabalho, de vida, em busca de realização e complementação de suas condições de vida”. Ela destacou também a relação dos quilombos com a presença negra nos arredores do centro da cidade, onde estão presentes há muito tempo, como organização coletiva e na defesa territorial, no enfrentamento às opressões e desigualdades sociais e encaminhamentos de demandas sobre saúde, educação, alimentação e segurança”. Cláudia destacou também a necessidade da reparação dos territórios no atendimento e manutenção dos quilombos. A professora fez a ressalva que os territórios Kédi e Santa Luzia não fazem parte da publicação “porque, no fechamento da edição, estes espaços estavam se auto-reconhecendo”.

A professora Lara Machado salientou que “a questão da terra está ligada ao município e que deve haver articulação para maior agilidade em prol da regularização fundiária, para evitar maior demora nos processos de efetivação”. Lara destacou também que o Atlas contém memorial descritivo dos territórios quilombolas, árvore genealógica das famílias e que o memorial fotográfico auxilia nos processos de reconhecimento das regiões. “O material apresenta o processo da cartografia, e a geografia é uma ferramenta para entendimento dos espaços mapeados, com ilustrações, a partir dos referenciais históricos e culturais das comunidades.” A professora entende a iconografia como forma de transmitir mensagens, além da representação gráfica.

Lara disse que os depoimentos das lideranças fazem parte da construção do documento e que os registros são temporais. “Por mais que sejam particulares, o Atlas apresenta formas de traduzir a vida, com pertencimento, ações, trabalho, disputas e as diversas maneiras de se relacionar com a cidade.” A professora Lara afirmou que os relatos e os mapeamentos das regiões indígenas e dos quilombolas demonstram que os territórios existem antes da constituição de 1988, “porque esta também é uma questão política, social e de direitos em relação à terra e à moradia”. Segundo a professora, o material tem diagnóstico e conteúdo para ser trabalhado pedagogicamente em sala de aula, desde os níveis básicos até a graduação, “como forma de divulgar a produção de conhecimento e essas presenças que vem sendo negligenciadas há tanto tempo”.

Participações

O advogado Onir Araújo registrou a importância da cartografia social e “a presença paradoxal de segregação sob ponto de vista racial e a luta territorial a partir das referências quilombolas e indígenas na Capital”. Onir destacou que o Atlas é uma ferramenta importante para entender a luta quilombola e indígena e aponta que “a questão está aberta, na Constituição Federal, em relação ao projeto de nação vigente”. Segundo o advogado, institucionalmente predomina o referencial monoétnico na distribuição de bens coletivos sociais, construídos ao longo dos anos. "Em Porto Alegre, o desafio é o compartilhamento do poder entre povos que constituem a cidade”. Disse que, nos últimos três anos, avançam projetos e investimentos imobiliários na ordem de R$ 3,5 bilhões e que há flexibilização no autolicenciamento ambiental, desconsiderando a lei ambiental, "e o Atlas aponta estas diferenças para a sociedade”. O advogado entende que a especulação imobiliária está promovendo a “repaginação da cidade, sem pensar em futuro das próximas gerações e em detrimento das populações quilombola e indígenas”.

Membro do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA), Felisberto Luigi sugere que a prefeitura apresente projeto de lei para identificação dos territórios quilombolas e que as comunidades devem ser escutadas. “Perder a memória é perder a história da comunidade, e a pior segregação é racial, porque os negros e povos indígenas são tratados como invisíveis, como se não existissem”, argumentou.

Adroaldo Barboza, também do CMDUA, defendeu que as comunidades quilombolas passem a ser melhor amparadas. “O Atlas é para que se enxergue no mapa de Porto Alegre a luta quilombola.”

Sandro Lemos, do quilombo Família Lemos, falou que “o Atlas veio para ratificar o que vínhamos dizendo antes, agora está documentado para as pessoas que ainda acham que os quilombos surgiram do nada. O quilombo Lemos resiste e resistirá contra qualquer tipo de ameaça, porque aqui é o nosso lugar. A dúvida é como vai ser o dia seguinte”. Geneci Flores, do quilombo Flores, disse que “a nossa terra é inegociável, é para o nosso plantio. O Atlas é mais uma ferramenta para mostrar a quem não sabe sobre os quilombos em Porto Alegre".

O representante do Ministério Público federal, Pedro Nicolau Moura Sacco, salientou que o Atlas “é uma obra de envergadura, de referência para o Ministério Público e para outras instituições como reconhecimento e para regularização das comunidades”. Nicolau Sacco ressalta que “há um movimento de renovação urbanística, baseada em empreendimentos habitacionais acima R$ 10 milhões e, com tanta miséria e degradação econômica de um lado e de outro, a urbanização com base em valores paradoxais”.

Antes de encerrar a reunião, a vereadora Karen Santos (PSOL) afirmou que deverá encaminhar para a Secretaria Municipal de Habitação e Regularização Fundiária minuta sobre projeto de desafetação de gravame sobre os quilombos municipais. “O Atlas é como arcabouço teórico, para ser utilizado como instrumento para qualificar a luta pelas regularizações. A fundamentação e segurança jurídica e de acesso a outros territórios também pressupõe saúde assistência social e educação à população quilombola”, finalizou.

Texto

Glei Soares (reg. prof. 8577)

Edição

Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)

Tópicos:quilomboquilombolaatlas