Transporte

Audiência pública debateu isenções e passe livre nos ônibus

  • Audiência Pública debate projeto de lei do Executivo que trata de isenções tarifárias no transporte coletivo por ônibus.
    Reunião virtual foi realizada na noite desta terça-feira (Foto: Ederson Nunes/CMPA)
  • Audiência Pública debate projeto de lei do Executivo que trata de isenções tarifárias no transporte coletivo por ônibus.
    Audiência foi coordenada por Bins Ely (Foto: Ederson Nunes/CMPA)

A Câmara Municipal de Porto Alegre realizou, na noite desta terça-feira (31/8), Audiência Pública por videoconferência para debater os projetos do Executivo que tratam da revisão das isenções tarifárias e do passe livre no transporte público da Capital. Coordenada pelo presidente do Legislativo, vereador Márcio Bins Ely (PDT), a reunião contou com cerca de 130 participantes. 

Projetos

O prefeito Sebastião Melo destacou que o tema “só tem remédio amargo porque nós temos 14 isenções municipais, fora a constitucional de 65 anos”. Citando que compete ao Poder Executivo analisar as isenções municipais, disse que o governo está propondo retirar nove das 14 isenções existentes, além do aporte de R$ 20 milhões para subsidiar a passagem dos estudantes dos ensinos fundamental e médio, desde que a família tenha renda de até 1,5 salário mínimo per capita. “Vai ter que provar que tem necessidade. Não mudei de opinião. Pra mim, isenção tem um pressuposto básico que é a necessidade”, afirmou. 

Luiz Fernando Záchia, secretário municipal de Mobilidade Urbana, apresentou detalhes dos dois projetos e um breve histórico do sistema de transporte coletivo da Capital, destacando a queda no número de passageiros nos últimos anos. Em 2015, os sistema transportava em média 25 milhões de usuários por mês, passando para 19 milhões ao final de 2019 (redução de 24%). Atualmente, transporta em média 52% dos passageiros transportados antes da pandemia.

De acordo com o secretário, a aprovação dos projetos resultará em redução de R$ 0,21 na tarifa. Na revisão do passe livre, os dias de gratuidade serão reduzidos de 12 para dois: feriado de Nossa Senhora dos Navegantes e um dia de vacinação. Já na revisão das isenções, a proposta é que permaneçam apenas cinco categorias, com limite de renda familiar per capita de 1,5 salário mínimo (exceto para idosos e policial militar em serviço). Conforme Záchia, a limitação de renda proporcionará “justiça na concessão”. Pelo projeto, mantêm a isenção idosos com 65 anos ou mais; estudantes, enfermidades (deficiências físicas, mentais, auditivas ou visuais) e acompanhantes, crianças e adolescentes assistidos e seus acompanhantes; e soldado da Brigada Militar em serviço. 

Para os estudantes de baixa renda, a proposta é que haja 100% de isenção na primeira e na segunda passagens no ensino fundamental e isenção de 75% na primeira passagem e de 100% na segunda passagem no ensino médio. Para os estudantes de baixa renda do ensino superior, o projeto propõe 50% de isenção na primeira e na segunda passagens. As isenções para estudantes serão custeadas por subsídio da Prefeitura, conforme limite orçamentário de R$ 20 milhões.

 Comunidade estudantil

Anderson Farias, representante da Umespa, ressaltou que a prefeitura propõe alteração na legislação e que os estudantes estão debatendo a realidade do transporte público, mas exigem que esse debate seja ampliado para maior conhecimento também da população geral. “Tendo em vista o momento do ensino ainda em um momento em que o ensino ainda é híbrido e não presencial totalmente e os alunos ainda não tomaram conhecimento desses projetos”, explicou Farias.

E ainda destacou que a isenção não vai garantir a qualidade no transporte e a diminuição dos gastos do executivo. “A passagem de Porto Alegre é uma das mais caras do país, o transporte não respeita a tabela de horários e estão sempre lotados. O que vemos como solução para garantir a diminuição do custo, é a utilização dos subsídios e fazer com que o transporte seja mais atrativo para a população”. E pediu que haja menos burocracia no que diz respeito a comprovação de renda, principalmente dos que são usuários do TRI e participam de programas como ProUni, EJA e cursos profissionalizantes.

Airton Silva, representante da União Estadual dos Estudantes, também ressaltou que o momento em que é debatido esse tema o Brasil já perdeu mais de 600 mil pessoas em tempos de pandemia e com muitos casos de pessoas que passam fome. “É importante salientar que essa reformulação no transporte público vai somente contribuir para evasão escolar. A garantia de acesso à educação só será dificultada ainda mais”, afirmou Airton.

Ele ressalta que existe uma crise do transporte público e que a gestão passada não fez nada para resolver essa questão. “O número de usuários diminuiu, os ônibus não possuem um sistema integrado, a qualidade do transporte é deficitária. Essa deve ser a grande preocupação da a prefeitura nesse momento”. E finalizou dizendo que essa medida do Executivo, vai fazer com que o estudante da meia passagem se afaste ainda do transporte público. “50% dos estudantes que perdem o meio passe deixam de usar esse transporte. Nós não temos hoje ônibus que dê conta da nossa população. A retirada das isenções vai fazer com que se diminua os usuários”.

Público

Lorenzo Rocha, vice-presidente do Grêmio estudantil da Escola Técnica Estadual Parobé, destacou que “o TRI Escolar proporciona que muitos estudantes possam ir à escola”, afirmando que não conhece nenhum aluno que tenha condições de pagar a passagem sem isenção. Para ele, sem poder frequentar a escola, o jovem não terá acesso à educação e à consciência política, ficando sujeito a políticos que ignoram sua realidade.

Nelson Khalil representante do Fórum Municipal dos Conselhos da Cidade (FMCC) e do Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência de Porto Alegre (COMDEPA), que é deficiente visual, acrescentou que a época é atípica e impactou todos os setores da economia. E criticou que fazer um projeto de retirada de isenções em tempo de pandemia. “As isenções para as pessoas que tem tuberculose e outras deficiências é fundamental. A retirada de isenções para pessoas que dependem do transporte para realizar seus tratamentos, vai onerar ainda mais o executivo, pois haverá lotação nos hospitais, com mais pessoas doentes”, desabafou.

Marlowa Truss, portadora de HIV há dez anos e usuário do transporte coletivo, pediu que as autoridades se sensibilizem com a situação dos portadores de HIV e não retirem a isenção dos mesmos. “A minha renda é o Benefício de Prestação Continuada, o BPC, que é um salário mínimo. Se eu gastar dinheiro com ônibus, como vou comprar comida, pagar conta de luz, comprar meus remédios?”, questionou. Conforme ela, a rotina de exames, consultas e retirada de medicação praticamente impossibilita a contratação de pessoas com HIV, fazendo com que a única renda seja o BPC. 

Cláudia Luz, portadora de HIV, com 63 anos, e que possui diversas comorbidades disse que “se for tirada a isenção não terá mais condições de fazer os tratamentos que precisa e isso lhe levara a óbito”. E ainda abordou que esse é um direito é adquirido e que a prefeitura não pode desassistir a população que depende do transporte para se manter em tratamento.

Rodrigo Duarte, coordenador do Diretório Acadêmico de Economia da UFRGS. Propôs algumas reflexões. Disse que um estudante diariamente pega três ônibus e gasta por mês R$ 300, que acredita ser um custo elevado para os que são de baixa renda. “E os estudantes de universidades privadas, tendo em vista a crise na economia e que pagam a sua formação também sofrem com a retirada da isenção do meio passe”. A questão que Rodrigo coloca em pauta é que isso causa um impacto as todos os estudantes, independente da situação econômica e muitos acabarão desistindo dos estudos. “A retirada do meio passe aumentará a evasão estudantil e não diminui a passagem da forma que efetiva”.

Vereadores

Pedro Ruas (Psol) disse que em 2013 com a mobilização do seu projeto conseguiu a diminuição da passagem em R$ 0,13, mas disse que ao longo do tempo descobriu é que isso não tem nada haver coma as isenções. “Mas a frota reserva e também as altas taxas é que oneram os cofres públicos. E o governo parte de uma ideia de que sabe quem pode pagar a passagem e quem não pode”, afirmou. E disse que quem anda de ônibus é porque precisa. E o que impacta não são as isenções, repetiu, e tirar esse direito da população é um crime, disse Ruas.

Laura Sito (PT) afirmou que é por meio do acesso ao transporte que se assegura o acesso a uma série de outros direitos, como educação e saúde. Para ela, os projetos “se posicionam mais uma vez no processo de retirada de direitos” e não atingem o centro do debate, que deve ser o lucro dos empresários do transporte. Conforme a vereadora, é falsa a ideia de que pessoas que têm dinheiro usam o transporte por causa das isenções. “Só usa ônibus em Porto Alegre quem precisa”, afirmou. A vereadora ainda frisou a necessidade de se manter a isenção para as pessoas com HIV. “É preciso humanidade para pensar uma alternativa ao debate que está posto”, afirmou. 

Karen Santos (Psol) debateu que a crise da gestão sobre o transporte da capital é algo continuo e disse que não se pode confiar nos dados apresentados pela Associação do Transporte Público (ATP), pois disse serem fraudulentos. “Defendo que a prefeitura assuma o sistema de bilhetagem da capital. Temos que garantir que se aumente o número de passageiros e que o transporte público seja competitivo”. E a vereadora pediu que haja transparência por parte da prefeitura nos dados referentes ao transporte. “É fundamental que para a diminuição da passagem, o executivo invista em subsídios, e pense nessas contra partidas ouvindo quem usa de fato o transporte público”.

Aldacir Oliboni (PT) disse que “não é só emocionante ouvir esses relatos, como também é fundamental o governo ouvir o apelo das pessoas que estão aqui relatando suas necessidades”, ressaltando que a retirada de isenções impedirá pessoas de seguirem seus tratamentos de saúde. Ele reforçou a necessidade de ampliar o debate e disse que a Câmara, através de comissão especial que está sendo instalada esta semana, poderá contribuir. Oliboni “Aonde que a Brigada Militar em serviço é mais importante que o professor, o estudante, a pessoa com deficiência ou com Aids?”, questionou, reforçando que  em 30 dias não se vota um projeto de tamanha repercussão social e repercussão no orçamento das famílias. 

Jonas Reis (PT) disse estar escandalizado. “A proposta do governo em nada dialoga com os que mais precisam do transporte público”, afirmou, dizendo que a preocupação do Executivo é apenas com o CNPJ, com a manutenção de empresas. “Os empresários não querem deixar de ganhar seus 300, 400 milhões (...). Para manter a lucratividade de poucos, as pessoas que têm doenças terríveis, como o HIV, vão perder o direito de fazer o seu tratamento”, afirmou, acrescentando que, durante a pandemia, os empresários do transporte “fizeram a população de fantoche”, retirando linhas e reduzindo horários. 

Daiana Santos (PCdoB) se posicionou afirmando que por ser um tema muito caro para a população o impacto no sistema de saúde será gravíssimo a longo prazo. “Temos que olhar com muita responsabilidade pois é da vida das pessoas que estamos tratando. Tudo que foi falado aqui pela população deve ser considerado. Esse projeto não pode ter seguimento. É muito grave tudo isso”, lamenta.

Moisés Barbosa (PSDB), solicitou a prefeitura que fizesse um esclarecimento sobre a proposta do ponto de vista per capto, porque segundo ele, muitas pessoas talvez não tenham entendido esse ponto. “Os estudantes devem entender o que é esse corte per capto. Mas no somatório de uma família que ganha quase R$ 8mil ou R$ 12 mil não vejo porque usufruir da isenção”. E disse que é importante que fique claro qual o limite desse corte. O vereador reafirmou não achar justo que as famílias que tenham um poder aquisitivo considerável tenham acesso ao meio passe. “Se isso for esclarecido aos estudantes acredito que iremos avançar nesse debate”.

Para Vitória Cabreira (PCdoB), líder estudantil e suplente de vereadora, não existe motivo para excluir qualquer modalidade de ensino da isenção. Ela ressaltou que o projeto retira o benefício de estudantes de pré-vestibular, curso técnico profissionalizante, mestrado e doutorado. “O estudante que está na escola pública, está porque é a opção que tem. E aí ter que comprovar renda não faz sentido”, afirmou. Para ela, burocratizar o sistema irá tirar o estudante do transporte público e da escola. 

Alvoni Medina (Republicanos) disse que, enquanto presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Pessoa com Deficiência, manifesta sua preocupação com a limitação de renda nas isenções. “Este corte de 1,5 salário mínimo pode representar a retirada de direitos de pessoas que precisam muito do transporte público. A pessoa com deficiência tem custo de vida elevado e por isso entendemos que o corte precisa ser revisto”, afirmou. Ele informou que apresentou emenda elevando o corte para 4 salários per capita e aumentando o número de passagens de 60 para 120, com possibilidade de ampliação mediante justificativa.

Para Airto Ferronato (PSB), o projeto tem problemas e precisa de mais tempo de debate. “Sou professor, lecionei quase 40 anos e acompanho de perto a questão dos estudantes da nossa Porto Alegre. Ele entende que é preciso buscar alternativas que reduzam o valor da tarifa, hoje sustentada basicamente por trabalhadores autônomos e desempregados, mas que um projeto com tanto impacto mas retorno pequeno (redução de R$ 0,21 na tarifa) precisa de um debate maior. “É preciso chegar a um denominador comum”, afirmou.

Giovani e Coletivo (PCdoB) fez uma intervenção dizendo que a capital gaúcha tem o maior número de óbitos de pessoas com HIV e que precisam do transporte público para continuidade do seu tratamento. "Esse projeto na sua justificativa apresenta uma insuficiência, pois aponta que nas isenções haverá diminuição no valor da passagem para o Executivo, mas perguntou "o que  está sendo feito para se atrair mais usuários para o transporte público".

Também participaram da audiência os vereadores Claudio Janta (SD) e Cláudia Araújo (PSD), o secretário municipal de Governança Local e Coordenação Política, Cássio Trogildo, o diretor-presidente da EPTC, Paulo Ramires, e representantes da comunidade estudantil e entidades interessadas no tema.

Texto

Priscila Bittencourte (reg. prof. 14806)
Ana Luiza Godoy (reg. prof. 14341)

Edição

Marco Aurélio Marocco (reg. prof. 6062)