Audiência Pública

Câmara debate desestatização da Carris

Legislativo promoveu encontro para discutir projeto de privatização da companhia

Audiência Pública - AUDIÊNCIA PÚBLICA COM O OBJETIVO DE DEBATER SOBRE O PROJETO DE LEI DO EXECUTIVO N° 013/21, QUE AUTORIZA O PODER EXECUTIVO DO MUNÍCIPIO DE PORTO ALEGRE A PROMOVER MEDIDA DE DESESTATIZAÇÃO DA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA COMPANHIA CARRIS PORTO-ALEGRENSE
Encontro virtual ocorreu na noite desta quinta (Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA)

A Câmara Municipal de Porto Alegre promoveu na noite desta quinta-feira (12/8) audiência pública virtual para debater sobre a desestatização da Sociedade de Economia Mista Companhia Carris Porto-Alegrense, conforme prevê Projeto de Lei do Executivo nº 013/21. A desestatização é um processo por meio do qual a prestação de um serviço público, realizada pelo governo, passa a ser efetivada pelo setor privado. A reunião foi aberta pelo presidente do legislativo municipal, vereador Márcio Bins Ely (PDT), que lembrou que o encontro foi requerido pelo vice-presidente da Casa e líder do governo, vereador Idenir Cecchim (MDB).

Proposição

Pela proposta, o Executivo fica autorizado a alienar ou transferir, total ou parcialmente, a sociedade, os seus ativos, a participação societária, direta ou indireta, inclusive o controle acionário, transformar, fundir, cindir, incorporar, liquidar, dissolver, extinguir ou desativar, parcial ou totalmente, a Companhia Carris. O projeto prevê que a alteração poderá ocorrer por quaisquer das formas de desestatização estabelecidas na legislação pátria, bem como poderão ser alienados ou transferidos os direitos que lhe assegurem, diretamente ou através de controladas, a preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade, assim como alienar ou transferir as participações minoritárias diretas e indiretas do seu capital social. 

Balanço

A secretária municipal de Parcerias, Ana Pellini, fez uma apresentação da situação da Carris baseada, segundo ela, em dados do balanço financeiro e administrativo. Ela disse que “nos últimos 10 anos foram repassados à empresa R$ 500 milhões, que poderiam custear outras áreas em benefício da sociedade”. Nos gráficos apresentados na explanação, a secretária afirma que o custo da empresa pública é 21 % maior que o consórcio das empresas privadas e exemplificou que os gastos com combustível, é elevado em 27% a mais, “porque é uma questão de estrutura, devido a diversas situações que fazem com que os veículos gastem mais combustível por quilômetro rodado”.

Nos dados revelados pela secretária, a ausência do trabalhador no seu posto de trabalho é superior ao das empresas privadas e que atualmente há 487 funcionários afastados, representando 25% do total dos ativos, e que, de acordo com auditoria, 250 estão com licença médica, em média, há mais de 2 anos e meio. Pellini disse que foi feito estudo comparando a necessidade do número de funcionários com a Carris privada e a atual: na oficina, se fosse privada, precisaria de 39 pessoas, enquanto hoje há 162 funcionários. “Tem mais gente com inúmeras especializações, devido as marcas e peças diferentes, por exemplo”, disse a secretária. Também apontou que os investimentos públicos tem que responder ao Tribunal de Contas e Ministério Público, encarecendo o erário porque necessita de mais funcionários para atender as demandas. Disse ainda que para oferecer o serviço prestado, precisaria de 305 ônibus, que é o padrão de uma empresa privada, mas a Carris opera com  347 veículos. “São 42 ônibus, com funcionários, peças e manutenção a mais, para fazer o mesmo serviço”, explicou. Salientou que atualmente a companhia tem 60 ônibus em manutenção e que há dificuldade de conserto, o que encarece a operacionalidade, além do passivo judicial estimado em R$ 30 milhões e mais as ações trabalhistas, que causam impacto negativo nas contas da empresa.

Privatização

Entre as hipóteses apontadas pela secretária Ana Pellini, no caso de formalizar a privatização, disse que o conjunto de linhas, ônibus, imóveis e funcionários poderiam ser absorvidos pelo comprador da empresa. Outra alternativa seria a liquidação da empresa por partes, em que as linhas voltariam para o município e seria realizada nova licitação para os possíveis interessados. Disse também que poderia haver leilão de imóveis e plano de demissão dos funcionários, com as devidas verbas indenizatórias, ou a venda da participações de ações, que se chegasse a mais de 50% a empresa passaria a ser caracterizada como privada e não mais como empresa pública. 

Na mesma Linha

Após a explanação inicial, o secretário municipal de Mobilidade Urbana, Luiz Fernando Záchia falou que foram feitas diversas reuniões para avaliar a situação da empresa. “Temos que ter transparência e responsabilidade e estamos discutindo com a sociedade. A Carris é importante, mas a realidade é que os últimos 10 anos se tornaram deficitários”. Záchia afirmou que, ao contrário do que foi argumentado durante a audiência, o projeto não tramita em regime de urgência. “Porto Alegre é a única capital do Brasil que ainda tem empresa pública de transporte, mas que, com o tempo, se tornou inviável”, concluiu.

O presidente da Carris, Maurício Cunha, lembrou que a companhia “não foi pública o tempo todo”. O dirigente disse que a Carris precisa de aporte de R$ 6 milhões ao mês para continuar operando e fazer frente às despesas e que não pode acessar e se beneficiar das medidas governamentais durante a pandemia, por ser uma empresa pública. “Sequer pode fazer frente à folha salarial, mais óleo diesel, manutenção de mais de 300 veículos, vantagens e 13º salário”, exemplificou. Cunha disse também que desde 2019 vem diminuindo o número de passageiros e que o sistema jamais se recuperará em 100%. "É preciso acompanhar as mudanças”, finalizou.

Trabalhadores e entidades

Representante dos trabalhadores da Carris, Marcelo Weber, destacou que foram dados somente R$ 500 milhões para a Carris no ano passado e perguntou porque foi repassado um bilhão para EPTC? “A Carris precisa de manutenção nos ônibus e também do salário dos funcionários em dia. Temos ar condicionado, qualidade no transporte”, explicou Weber. Salientou também que se privatizarem a Carris, muito mais será dado para as empresas privadas. “Com isso a Carris é prejudicada pela câmara tarifária, é uma caixa preta e isso não é dito”. E por fim desabafou que em meio a pandemia “foi a Carris que atendeu 23 linhas na capital, coisa que as empresas privadas não fizeram. A Carris é importante para o sistema. O sistema privado deve para a prefeitura R$ 70 milhões e a Carris, no entanto, não deve nada a ninguém”.  

Tamires Figueira, ex-servidora da Carris, falou que discorda de tudo o que foi dito pelo Executivo, de que o município perde muito porque é a única do país a ser uma empresa pública. “Acredito que ela não é uma despesa, pois tem um serviço de qualidade. A sociedade acredita que quando defendemos a empresa pública, estamos defendendo a nossa educação”.  Segundo ela, o transporte permite acesso dos pais para levarem seus filhos às escolas e a Carris é uma empresa estratégica. “Existem diversas alternativas de se cortar as despesas sem privatizar. O Executivo não quer dialogar”. 

Já o delegado sindical Afonso Martins, se deteve a alguns pontos como, “o que seria da população nesse tempo de pandemia se não fosse a Carris? Temos uma gestão temerária com um pacote de maldades. Não podemos retirar os direitos dos trabalhadores, é um serviço público de qualidade. Existe um descompasso nesse debate”, afirmou. 

O presidente do Sindilojas de Porto Alegre, Paulo Kruse, ressaltou que existe hoje na capital um transporte falido e a iniciativa privada quebraria se assumisse a Carris, pois precisa de lucro. “Temos que pensar em valorização nas empresas públicas. O que vemos acontecer com a Carris é que sem uma gestão que não valoriza o serviço público, com certeza a empresa acaba quebrando”. Kruse acredita na coletividade “e isso o prefeito Melo precisa saber. Ele foi eleito pela coletividade”. 

O coordenador do Conselho de Assuntos Tributários, Legais e Cíveis da Ciergs, Thômaz Nunnenkamp, argumentou que “historicamente as empresas públicas são mal geridas”. Disse ainda que os “números da Carris são trágicos, com custos maiores que as demais empresas e que funcionários afastados geram custos, com funcionários a mais”. E questionou se uma empresa que tem 25% de funcionários afastados é um lugar bom para trabalhar. “Certas questões já foram debatidas em outros municípios e Porto Alegre é a única capital que ainda tem empresa pública de transporte, será que somos visionários e diferentes dos outros lugares que já venderam suas empresas?”. Thômaz entende que o problema da empresa é estrutural. “A situação se tornou insustentável a longo prazo”, ratificou. Afirmou que, para sobreviver aos novos tempos, a privatização da Carris deve ser feita com a retirada gradual dos cobradores que, segundo ele, “não existe em outros países há mais de 30 anos”.

Vereadores

Pedro Ruas (PSOL) disse que a melhor forma de se resolver essa questão da Carris é através do debate e disse também que quando se fala de trabalhadores afastados da Carris, esses são de responsabilidade da Previdência Social e não dão gastos à prefeitura. “Uma empresa pública não serve para dar lucro, por isso esse pensamento é falso. Ela serve para prestar um bom serviço”, esclarece. E ressaltou que há denúncias de que há problemas graves de despesas que não deveriam ocorrer e isso deve ser solucionado, disse o vereador. “O que vemos aqui são argumentos para se entregar um patrimônio de quase 150 anos para a iniciativa privada”. 

Airto Ferronato (PSB) enfatizou que nenhum gestor até hoje teve experiência sobre o transporte público e disse que acompanha a remuneração da alta administração das empresas privadas e comparou o que se paga no serviço público. “Concordo que há problema de gestão histórica e entendo que só teremos uma Carris sólida quando houver uma modificação de gestão qualificada”. E pediu ao prefeito Sebastião Melo que o Executivo faça um debate maior sobre o sistema de transporte público da capital. 

Laura Sito (PT) entende que argumentos frágeis e liberais são usados no debate para justificar que a Carris é deficitária e diz que isso é um erro. “Uma empresa não dar lucro, não é motivo para ser privatizada. Ela garante um equilíbrio da mobilidade urbana na cidade. A empresa é referência, inclusive no território nacional”, afirmou. 

Giovani e Coletivo (PCdoB) falou que o prefeito Melo venceu as eleições porque disse que não aceitava o debate ideológico. “Sabemos que o transporte público é algo constitucional e esse projeto, apresentado pelo Executivo, é sim ideológico”. E indagou: “será que a população não merece ter uma empresa pública que regule o sistema de transporte? O patrimônio é algo fundamental, principalmente nos tempos difíceis que vivemos atualmente”, concluiu Giovani. 

Idenir Cecchim (MDB) falou que o governo municipal está cumprindo o que prometeu na campanha eleitoral e disse que iria fazer. O vereador entende que "a situação da Carris é financeiramente pior que se imaginava e o governo tem a obrigação de tomar providências, e uma delas foi encaminhar o projeto para ser discutido pelos vereadores". 

Jessé Sangalli (Cidadania) disse que esse é um tema desafiador e que sabe da dificuldade dos trabalhadores, pois têm amigos que trabalham na Carris e que manifestam suas preocupações. “A intenção da prefeitura é permitir uma realocação para que sejam absorvidos pelo mercado de trabalho todos os trabalhadores e a privatização não é algo imediato, permite inclusive que quem está para se aposentar possa fazê-lo de forma adequada”. E relatou que em seu mandato tem procurado apresentar ao Executivo, alternativas para que os funcionários possam continuar trabalhando sem serem onerados. 

Hamilton Sossmeier (PTB) opinou que é necessário um novo estudo para reerguer a Carris ou desestatizá-la. “Temos que reavaliar se a empresa não dá mais lucro, pelo contrário onera os cofres públicos, então concordo com o Executivo e apoio ao projeto debatido”.

Juan Savedra (Novo) disse que as pessoas querem serviço de qualidade e que passageiro é cliente, e não um número. O vereador entende que o sistema de mobilidade urbana está colapsado e vai continuar assim, se nada for feito. “A Carris encareceu e o repasse de recursos tira investimentos de outras áreas que poderia melhorar a vida das pessoas. O município não tem o dever de manter administrativamente o transporte coletivo e a população não merece continuar pagando os custos da Carris”, finalizou.

Presenças

Acompanharam o encontro 328 inscritos. Presentes o prefeito da Capital, Sebastião Melo (MDB), o presidente do Conselho Municipal de Transportes Urbanos, Jaires Maciel, o secretário municipal de Planejamento e Assuntos Estratégicos, Cezar Schirmer, a deputada estadual Sofia Cavedon (PT),  vereadores Lourdes Sprenger (MDB), Pablo Melo (MDB), Cláudia Araújo (PSD), Moisés Barboza (PSDB), Karen Santos (PSOL), Aldacir Oliboni (PT), Jonas Reis (PT), Leonel Radde (PT), Alvoni Medina (Republicanos), José Freitas (Republicanos), Cláudio Janta (SD), o presidente da Associação Única dos Rodoviários Aposentados do Rio Grande do Sul (Aura), Sérgio Vieira, e do Instituto Brasil 2000, Maria Eduarda. 

Texto

Glei Soares (reg. prof. 8577)
Priscila Bittencourte (reg. prof. 14806)

Edição

Marco Aurélio Marocco (reg. prof. 6062)