Cece discute dificuldades de acesso ao ensino público na Capital
Dificuldades impostas pela suspensão das aulas, fechamento de turmas de ensino médio e insegurança alimentar na rede de ensino durante a pandemia foram temas da pauta
A dificuldade imposta pela suspensão das aulas em Porto Alegre e a defesa da reabertura das instituições de ensino foi defendida, na tarde desta terça-feira (13/4), pelas representações da Associação das Escolas Privadas do Rio Grande do Sul (Aepei-RS), do Centro Integrado de Desenvolvimento (CID) e Associação de Crianças e Adolescentes Surdos do Rio Grande do Sul (Acas/RS) em reunião realizada na Comissão de Educação, Cultura, Esportes e da Juventude (Cece) da Câmara Municipal de Porto Alegre. No encontro, promovido em ambiente virtual, presidido pela vereadora Fernanda Barth (PRTB), a pedagoga Fabiane Vitória, da Aepei, destacou que “ao contrário do que muitos pensam, a maioria das escolas infantis particulares não são ricas e estão localizadas nas comunidades de periferia para atender uma grande parcela do segmento que, segundo a própria Secretaria Municipal de Educação reconhece, tem grande demanda reprimida”.
Para Fabiane, o tempo longe da escola traz grande prejuízo aos marcos de desenvolvimento das crianças, entre as quais se destacam aquelas com necessidades especiais. Ela considera que foi um erro fechar as instituições de ensino e defendeu a reabertura alegando que as escolas estão preparadas para receber os alunos com todos os cuidados, respeitando os protocolos sanitários necessários em razão da pandemia. Ela explica que, sem isso, as crianças filhas de mães trabalhadoras acabam vulneráveis a riscos de acidentes, violência e outros.
Cheila Schroer, do Centro Integrado de Desenvolvimento (CID), saudou a iniciativa da Cece em abrir o debate. Ela disse que compreende a gravidade da situação, mas que o fechamento das escolas tem gerado grande prejuízo para as crianças, que é ainda pior para as com deficiência. “É por isso que pedimos um amparo à vacinação dos professores, para que as escolas possam dar proteção e amparo a elas nesse momento”.
Na mesma linha, Carla Brum, representante da Acas/RS, reforçou o prejuízo para as crianças surdas, que têm na presença escolar a garantia da comunicação e aprendizado, pois, segundo ela, nem sempre as famílias dominam a linguagem de libras. “É um atraso que vai para dois anos e, por isso, optamos por defender a reabertura das escolas”, disse.
Pela Smed, a secretária Janaina Audino explicou que o fechamento se deve a uma decisão judicial. Que já havia um entendimento do governo e todo um preparo para a reabertura e, dois dias antes, uma liminar manteve a decisão pela não abertura das escolas.
Fernanda Maya Guimarães, da Coordenação de Educação Infantil da Smed, destacou que esse segmento, pela pouca idade, tem especificidades de aprendizado que se dá pela experiência, o que torna difícil esse tipo de atividade pelo modo remoto. Ela explicou que, dessa forma, o trabalho feito é o da manutenção do vínculo através do espaço para brincar, e que isso é feito a partir da qualificação dos educadores que transmitam as atividades para serem desenvolvidas pelos pais em casa. Disse também que a Smed tem conhecimento das diferentes realidades regionais e enfrenta as dificuldades com esse olhar, inclusive no acesso à internet.
Para o presidente da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul, Sérgio Amantéa, a entidade tem sido muito criteriosa em emitir posicionamentos em relação à abertura ou não das escolas Disse que, diferentemente de manifestações pela abertura das escolas, feitas no ano passado, o agravamento da pandemia e as regras da bandeira preta impõem um momento de cautela.
Segundo ele, o papel da Sociedade de Pediatria é o de orientar e preparar e levar conhecimento às comunidades escolares. Ainda que a instituição tenha um projeto estruturado de oficinas para educadores e pais e também em formato lúdico para as crianças, com voluntários e possíveis parceiros financiadores para a confecção dos recursos materiais necessários.
Ensino médio
Outras duas pautas também foram trazidas ao debate durante o encontro dessa terça-feira no âmbito da Cece. Por solicitação da vereadora Daiana Santos (PCdoB), foi discutido o fechamento das turmas de ensino médio das escolas Emílio Meyer e Liberato Salzano Vieira da Cunha. A terceira pauta tratou da insegurança alimentar dos alunos da rede municipal de ensino e suas famílias durante a maior crise sanitária e econômica já vivida pelos brasileiros, debate levantado pela vereadora e pelo colega Jonas Reis (PT).
Em suas falas, as diretoras das escolas Liberato e Emilio Meyer, localizadas, respectivamente, nos bairros Sarandi e Medianeira, defenderam a manutenção das turmas e a liberação para a abertura de novas vagas. Izabel Abianna, diretora da Liberato, criticou a gestão anterior pela “total” falta de diálogo e pelo início do desmache do ensino médio nas duas escolas que atendem esse segmento na rede municipal e são referências para a educação de Porto Alegre.
Lembrou que a escola prepara, por meio da educação técnica, mão de obra que tem aproveitamento garantido nas empresas da Zona Norte da capital gaúcha. Apelou ao governo atual do Município que abra o debate com a comunidade escolar e tenha um olhar para os 67 anos de história da instituição de ensino.
Ela finalizou abordando a importância do curso normal para a formação de educadores e destacou as parcerias da escola com a Ufrgs, para a montagem de um curso pré-vestibular que tem garantido boa aprovação dos alunos, e no edital em andamento com a Universidade Aberta do Brasil para que a Liberato tenha o curso de Pedagogia.
Na mesma linha, a diretora da Emilio Meyer, Sônia Cristina Nunes, lamentou a falta de diálogo com a Smed nos últimos quatro anos. Ressaltou que a escola, com 65 anos de atuação, recebe alunos de diversas regiões da cidade e realiza um trabalho inclusivo que é reconhecido pelas comunidades de bairros como Cruzeiro, Restinga, Centro Histórico e Cascata. Reiterou o pedido da colega da escola Liberato para que a portaria emitida no final de 2019 pelo então titular da Smed seja revista, permitindo, desta forma, que as escolas possam manter em funcionamento as turmas de ensino médio existentes e ter a liberação para a abertura de novas vagas.
Sobre essa pauta, a secretária de Educação, Janaina Audino, reconheceu que a decisão pelo fechamento das turmas foi do governo passado. Ela afirmou que os estudos estão sendo ampliados e o diálogo aberto com as escolas, mas que não pode ter um olhar apenas para as duas instituições e, sim, para as 98 que integram a rede própria do município. “Temos a universalidade do atendimento às crianças de zero a 3 anos de idade, em torno de 3,7 mil vagas, e uma lista de espera que não temos como dar conta”, disse. Outro dado da secretária é o de que, no inicio da gestão, tem sido identificado um aumento da procura para os anos de ensino fundamental e um decréscimo em relação aos anos finais.
Ainda, de acordo com a titular da Smed, as escolas estaduais dessas regiões tem capacidade de absorver os alunos e atender a demanda. Que apenas dois casos represados foram identificados no Sarandi. Ela ainda reportou que é do Estado a obrigação legal pela manutenção do ensino médio e que cabe ao município atender a educação infantil e o compartilhamento nas turmas do ensino fundamental, onde, segundo ela, existe falta de vagas.
Fome
Sobre o destino da alimentação escolar, Janaina Audino afirmou que a Smed tem tido todo o cuidado para que a distribuição de kits e cestas sejam feitas com toda a transparência e critérios definidos. A primeira distribuição levou em conta o que havia no estoque das escolas que estavam preparadas para abrir e acabaram impedidas de fazê-lo por decisão judicial. Com isso, explicou, as escolas foram autorizadas a reunir o que tinham em kits e direcionar para as famílias mais necessitadas, “as 14 mil que estão no cadastro do Bolsa Família e também aquelas que procuram as escolas, que têm autonomia e conhecimento para a distribuição”.
Segundo Janaina Audino, foram compradas de forma emergencial 10 mil cestas e está em licitação a compra de outras 150 mil, número mais alto devido a reunir no processo o montante anual. Ainda referiu que o cadastro da Smed tem cruzamento com o da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) para evitar a duplicidade de entrega.
Vereadores
Jonas Reis (PT) disse estar preocupado com a ausência de consciência social para o momento que se está vivendo. Salientou que a lógica da pandemia requer duas atitudes, a do distanciamento social e vacinação para todos, algo que está, segundo ele, distante pela ineficiência dos governos. Acrescentou que o governo municipal deveria ter direcionado os R$ 16 milhões concedidos ao transporte coletivo para a compra de vacinas, assim como o governo Bolsonaro devia ter gasto em imunizantes o que foi dispensado para a compra e fabricação de cloroquina. Pediu sensibilidade ao governo municipal em relação à manutenção das escolas de ensino médio, disse que os vereadores serão parceiros na destinação de recursos por emendas e sugeriu a criação de um grupo de trabalho com participação social, de servidores, sindicatos, governo e vereadores para debater o futuro das escolas Liberato e Emílio Meyer.
Fernanda Barth (PSL) disse que compreende o sentimento das diretoras e das mães que desejam que os alunos que estudam na Liberato e Emílio Meyer possam ao menos concluir os seus estudos nas duas instituições de ensino, antes do fechamento, conforme conversa que já fez, antecipadamente, com a secretária da Educação. Sobre a utilização dos recursos alimentares destinados às escolas para o auxílio das famílias dos alunos e as comunidades carentes, disse acreditar que são poucas cestas para uma demanda que, na sua opinião, com a pandemia, vai além do cadastro do programa Bolsa Família. “São pessoas que foram para a linha da pobreza”, referiu. A vereadora sugeriu que a Câmara Municipal se some ao Executivo para buscar apoio à arrecadação de cestas.
Daiana Santos (PCdoB) afirmou que já haviam solicitado a vacinação em massa, algo necessário para a volta às aulas, não apenas para os professores, mas também para os alunos. “Mas a gente sabe que não tem vacina para todo mundo”, disse. Sobre o fechamento do ensino médio das escolas Emílio Meyer e Liberato Vieira da Cunha, disse que foi procurada pelas direções das instituições e prontamente trouxe o tema para o âmbito da Cece, que, segundo ela, é o espaço de escuta e que tem por dever ampliar o debate sobre a situação que se desenrola desde o governo anterior. “Esse é um espaço que pertence ao povo, não a mim ou a outros vereadores, para contribuir com um diálogo construtivo, respeitoso e educado para buscar soluções com serenidade e responsabilidade pelo espaço que essas escolas têm nas suas comunidades.” A vereadora cobrou o envio dos dados dos estudos citados pela secretária da Educação sobre as escolas de ensino médio municipais.
Daiana ainda destacou, sobre a pauta da alimentação, que ela não chega à população mais pobre. Lembrou que, recentemente, foi dito pelo secretário do Desenvolvimento Econômico, no âmbito da Comissão, que as cestas existiam e as demandas deviam ser levadas aos CRAS. “Com a pandemia vem a fome, o desespero, profissionais em risco, comunidades desamparadas. É um grande desafio. Não dá para ficar colocando como um problema de um lado ou do outro, mas é da cidade. Há um abismo digital, insegurança alimentar e outras questões que precisam ser enfrentadas”, declarou.
Mari Pimentel (Novo), que presidiu a segunda parte da reunião, destacou que é preciso avaliar as políticas públicas “não pelas intenções, mas pelos resultados”. Para ela, existem distorções nos números comparativos entre as escolas da rede estadual e as do município. “Tem um corpo docente envolvido, empenhado, mas os números não corroboram que a educação municipal está melhor que a do Estado”, disse ao cobrar maior participação do segmento pai no debate, para buscar condições de “melhorar a taxa de evasão escolar, notas no Enem e Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)”.
Participaram ainda da reunião os vereadores Giovane Byl (PTB) e Bruna Rodrigues (PCdoB), além de outros representantes do Executivo, entidades de servidores e representantes das comunidades da escolas Emílio Meyer e Liberato Salzano Vieira da Cunha.