Motofretistas buscam garantias de direitos e melhoria nas condições de trabalho
Encontro debateu a proteção aos direitos dos motofretistas, suas garantias trabalhistas e a segurança e qualidade no serviço ao consumidor (Foto: Júlia Urias/CMPA - Uso público, resguardado o crédito obrigatório) O delegado sindical e bikeboy, nome dado para um ciclista que faz entregas, Thomas Vincenzo, relatou sua rotina diária (Foto: Júlia Urias/CMPA - Uso público, resguardado o crédito obrigatório)
A Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana da Câmara Municipal de Porto Alegre (Cedecondh) se reuniu na tarde desta terça-feira (25/03) para debater a proteção aos direitos dos motofretistas, suas garantias trabalhistas e a segurança e qualidade no serviço ao consumidor. "Quando se fala de motoboy, estamos falando de um extenso leque de serviços prestados. Estamos falando de entregadores que entregam comida, mas também entregam medicamentos, produtos e mercadorias. Durante a pandemia, tivemos a real prova de quão importante é esse serviço prestado", afirmou o proponente da pauta e presidente da Comissão, vereador Erick Dênil (PCdoB).
Em fevereiro, Dênil apresentou um projeto de lei de sua autoria, em nome do PCdoB, chamado “Selo Amigo Motoboy”, com o propósito de garantir a dignidade dos trabalhadores que atuam com entregas. A previsão é que este projeto entre em discussão no plenário entre abril e maio. “O projeto dialoga diretamente com um espaço de descanso para o motoboy, que passa o dia inteiro em cima de uma moto entregando alimentos, remédios e muitas vezes fica sem bateria no celular para continuar trabalhando, porque não tem onde carregar. Não existe este espaço em Porto Alegre. Muitas vezes querem ir ao banheiro e não conseguem porque não tem este espaço cedido aos trabalhadores. Ou querem tomar um copo d’água e não tem acesso a água potável”, explicou o vereador. Os estabelecimentos que aderirem ao Selo oferecerão um espaço onde os motoboys poderão descansar, utilizar o banheiro, beber água e carregar o celular. A iniciativa não terá custo para o município, e a participação dos comerciantes será voluntária, uma vez que se trata de negócios privados.
O delegado sindical do Sindicato dos Motociclistas Profissionais (SindiMoto), Douglas de Freitas Benites, advogou a favor do projeto de Dênil e afirmou que o Sindicato apoia a iniciativa. “A gente só quer ter um banheiro para usar, porque é muito difícil carregar comida nas costas, com fome, com vontade de usar o banheiro e sentir constrangimento de pedir para usar o banheiro. Porque, às vezes, a gente entra no shopping, quando é dia de chuva, por exemplo, usamos uma capa protetora de chuva e a capa tá molhada. Então, a gente sente constrangimento, fora os olhares, não das câmeras de monitoramento, mas os olhares para o trabalhador. A gente sabe que, para vocês, somos super-heróis, mas existem setores da sociedade que ainda penalizam e discriminam a gente. E nem para usar um banheiro a gente tem essa acessibilidade”, desabafou.
O representante jurídico do SindiMoto, Felipe Carmoni, denunciou o descumprimento das leis federais de trânsito que alguns aplicativos de entrega obrigam os motofretistas a infringir, além de ameaçar com boicotes, como a retirada de estrelas de bom atendimento ou a recusa em encaminhar entregas a quem não cumprir as regras. “Quanto mais entregas, mais eles têm pontos e mais eles recebem entregas. É quase que uma avalanche, é uma coisa absurda. E em 2011, foi criada esta lei que veta políticas que acelerem o aumento de velocidade em vias públicas. Qualquer empresa em nível nacional pode ter este tipo de fiscalização”.
Como exemplo, citou o caso da empresa de entregas Rappi, que promete entregar as compras do mercado em menos de 10 minutos, o que viola a lei mencionada anteriormente. “Alguém consegue aqui em sã consciência ir ao supermercado e comprar em 10 minutos? Os motoboys da Rappi tem que fazer isso. E aí, nesses 10 minutos muitas vezes é o tempo que ele tem que ir até o cliente e nesse meio tempo, está indo buscar a encomenda de outro cliente”, apontou.
Carmoni citou outros relatos de violação de direitos que os trabalhadores sofreram, como uma empresa em Porto Alegre que cobrava dinheiro dos entregadores para utilizar o banheiro do estabelecimento. “Fizemos uma denúncia nas redes do Sindicato de um restaurante cobrando dos seus trabalhadores dois reais para utilizar o banheiro. É uma coisa surreal, mas é o que acontece”, revelou. Além disso, o serviço de aluguel de bicicletas para entregadores do iFood, chamado de ponto de apoio iFood Pedal, é obrigado a oferecer pontos de apoio para carregar o celular, ir ao banheiro e descansar entre uma entrega e outra. Segundo relatos de trabalhadores, a filial da Avenida Borges de Medeiros, em Porto Alegre, não oferece local apropriado para higiene e saneamento.
Relatos de motofretistas
Ao abrirem a discussão para o público presente, representantes da classe de Porto Alegre e região metropolitana deram relatos de suas vivências na profissão. O delegado sindical e bikeboy, nome dado para um ciclista que faz entregas, Thomas Vincenzo, relatou sua rotina diária. “A gente de bike pedalando num calor de 41 graus e chega no local pede uma água e me dão uma água quente com gosto de barro. E a pessoa quer que a gente chegue rápido, aí tem que enfrentar lomba, falta de água e questões de trânsito. O motociclista ao menos é respeitado nas vias, mas e o ciclista? O que muita gente ainda não tem a visão é que não tem leis de trânsito para ciclistas direito. A bike também é um veículo. Também é o risco diário de trânsito, risco de assalto. Ao menos a pessoa que tá de moto consegue acelerar. E eu?”, questionou. Vincenza também desabafou que o limite de velocidade em uma ciclovia é de 20 km/h, mas a velocidade média de um bikeboy, que sofre pressão para cumprir metas de tempo, é de no mínimo 25 km/h. Portanto, a profissão o obriga a não utilizar a área segura para pedalar.
O também delegado sindical do SindiMoto Remi Lincoln Rosa da Silveira é um trabalhador que perdeu a perna durante um acidente de trânsito, no meio de seu expediente como motoboy. “Se falaram muito em acidente, sequelas. E eu sou um pouco disso. O antes, durante e depois. E eu não quero que aconteça com outros o que aconteceu comigo. Eu tive sorte de sobreviver e ter grandes amigos para eu estar de pé, eu não cheguei aqui sozinho. A maioria dos motoboys aqui trabalham em mais de um emprego e trabalham com três, quatro plataformas ligadas no celular ao mesmo tempo. Aí toca duas, três teles ao mesmo tempo e tem que atender as três porque ficar só numa não rende”, contou.
Membro do SindiMoto e motoboy, Nathan Ribeiro atua na profissão há quatro anos e trabalha com três aplicativos de entrega diferentes. “Eu já sou motoboy há tempos e até hoje tenho medo de andar de moto porque toda hora tem gente cortando no trânsito, tem os galhos e fios elétricos que pegam no capacete. É difícil ser motoboy e a gente só encara porque não tem outra opção.” Ribeiro, assim como muitos motofretistas, se sente constrangido de pedir para usar o banheiro em estabelecimentos. O motoboy conta que prefere segurar até chegar em casa, mas há dias em que ele fica o dia inteiro fora e só consegue se aliviar à noite. “Não gosto de ficar pedindo e fico quase fazendo nas calças, tenho que ir para casa correndo. Às vezes não dá tempo de chegar em casa e paro em algum posto e fica meio constrangedor ficar pedindo. As pessoas não emprestam, até mesmo em posto, eles dizem ‘não, é só para cliente, tem que comprar alguma coisa para usar’. Pedir uma água então, não gosto de pedir, prefiro comprar a minha no mercado. Eu entrego muita comida e o cheiro da comida, é quatro da tarde eu não almocei ainda e fico sentindo cheiro das pizzas e do xis… É tortura”, afirmou.
Por fim, Douglas de Freitas divulgou que, no dia 31 de março, a classe dos motofretistas de Porto Alegre e região farão uma paralisação com quatro demandas centrais: a taxa mínima de R$ 10 por corrida; o aumento da remuneração de R$ 1,50 para R$ 2,50 a cada quilômetro rodado; o limite de um raio de 3 km para entregas feitas em bicicleta; e o pagamento integral por corrida mesmo quando pedidos são agrupados na mesma rota. Conforme o delegado sindical, a mobilização começará em Canoas e seguirá com uma motoceata até o Shopping Praia de Belas.