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Cuthab debate projeto que prevê torre residencial em área do Inter

  • Reunião sobre doação de terreno ao Sport Club Internacional e diálogo a respeito do PLCE nº 004/19. Na foto, João Pedro Lamana Paiva
    Lamana Paiva disse que Inter quer construir uma torre comercial e residencial e outra com um hotel (Foto: Ederson Nunes/CMPA)
  • Reunião sobre doação de terreno ao Sport Club Internacional e diálogo a respeito do PLCE nº 004/19. Na foto, Patrícia Tschoepke
    Patrícia Tschoepke, da Smamus, explicou que uso da área para empreendimento residencial requer projeto de lei (Foto: Ederson Nunes/CMPA)

A Comissão de Urbanização, Transportes e Habitação (Cuthab) da Câmara Municipal de Porto Alegre realizou reunião nesta terça-feira (17/8) para debater o Projeto de Lei Complementar do Executivo (PLCE) nº 004/19, que autoriza a realização de empreendimento imobiliário na área do Sport Club Internacional, doada pelo Município em 1956. O Clube pretende construir duas torres - uma delas com 130 metros de altura - em parte da área hoje ocupada pelo estacionamento e enfrenta resistência de moradores vizinhos e entidades, que apontam prejuízos para a sociedade. A reunião virtual contou com a participação de quase 90 pessoas.

Projeto

Na abertura, o vereador Cassiá Carpes (PP), presidente da Cuthab, informou que já foi realizada audiência pública sobre a proposta de lei em 2020 e a reunião da Comissão busca “possibilitar o debate e ouvir as partes”. O secretário de Governança Local e Coordenação Política, Cassio Trogildo, afirmou que o PLCE não está na Ordem do Dia “justamente para que se possa fazer toda a construção que o projeto exige”, com diálogo junto ao poder público e sociedade civil. Ele disse que o prefeito, Sebastião Melo, recebeu o pedido do Clube para que a proposta apresentada no governo anterior voltasse a tramitar. Ele ainda destacou que o Clube poderia fazer a construção se não fosse o caráter residencial, pois os usos seriam permitidos. Conforme Trogildo, o projeto inicial seria de sete ou oito torres menores, que diminuiria a visão da Orla, mas a equipe de Urbanismo da Prefeitura sugeriu a construção de apenas duas torres maiores.

Representando a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), Patrícia Tschoepke explicou que a questão da altura das torres pode ser avaliada pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CDMUA) e pela equipe da Prefeitura, mas que a alteração de uso da área para empreendimento residencial necessita de projeto de lei. Questionada sobre as contrapartidas do Internacional para Porto Alegre, disse que o Clube terá que doar 20% da área desmembrada para a construção de uma praça pública junto à Orla e de um píer com estação para catamarã. Conforme ela, também estão previstas como contrapartida a destinação de serviços para o Posto Santa Marta e a reforma no Asilo Padre Cacique.

Empreendimento

A apresentação do empreendimento foi feita pelo presidente da Comissão de Negócios Estratégicos do Conselho Deliberativo do Internacional, João Pedro Lamana Paiva, que destacou que o projeto não será erguido sobre área pública, mas sim sobre o terreno pertencente ao Clube. Ele resgatou os documentos da doação da área, frisando que era “uma área a ser conquistada”, pois surgiu apenas após aterro no então Rio Guaíba, custeado exclusivamente pelo Inter. Lamana explicou que a lei de doação estabelece que a entidade esportiva não poderia utilizar a área para outro fim, “ressalvada a implantação de equipamentos e comércio de apoio ao fortalecimento de recursos financeiros para a entidade esportiva”. O objetivo do projeto, portanto, é acrescentar o empreendimento imobiliário nas exceções.

Lamana informou que o imóvel do Beiro-Rio possui hoje uma área de 150.361,63m², sendo que o empreendimento usaria 25.000m² e que 49,2% serão reservados para área não edificada. A proposta é construir uma torre comercial e residencial (com cobertura aberta ao público) com 130 metros de altura e uma torre com hotel de 80 metros de altura. Conforme o dirigente, a opção de construir em altura tem o objetivo de liberar área livre no solo, criar uma melhor relação com o Estádio e obter maior afastamento em relação ao Asilo Padre Cacique, que tem edificação histórica.

Comunidade

Pedro Nicolau Moura Sacco, procurador da República em Porto Alegre, participou da reunião a pedido da comunidade quilombola Família Lemos, situada a 140 metros do projeto. “Estão inquietos principalmente pela falta de informações sobre o projeto, de não serem consultados”, afirmou, acrescentando que existe convenção internacional estabelecendo que comunidades tradicionais e étnicas precisam ser consultadas. “Para uma comunidade tradicional, a chamada requalificação da área pode ter outro impacto, fazendo se sentirem deslocados”, acrescentou, solicitando a realização de nova audiência pública sobre o projeto. 

Felisberto Luisi, conselheiro de área do CMDUA, fez o resgate histórico do projeto, citando que em 2019 houve parecer favorável do conselheiro relator à aprovação do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) do empreendimento. “Pedimos vistas e vimos que não havia lei que autorizava o erguimento de empreendimento residencial”, afirmou, acrescentando que o tema foi encaminhado à Procuradoria-Geral do Município, mas que a mesma não deu retorno, ao passo que a” Prefeitura resolveu encaminhar o projeto à Câmara”. Felisberto ainda citou que “antes mesmo desse projeto das torres, havia toda uma discussão com escolas de samba para a construção da Casa do Samba”, que seria um compromisso do Clube como contrapartida às obras da Copa do Mundo. 

Para Jatair Martins Costa, representante da Associação de Moradores Padre Cacique (AMPC),  “as mais de 20 mil pessoas habitando no Morro Santa Teresa há quase um século” não foram ouvidas sobre o empreendimento. Para ele, há necessidade de trazer os cidadãos para o debate, especialmente os impactados pelo projeto. O morador frisa que a construção das torres trará “uma mudança brutal da paisagem que historicamente contemplamos”. 

Representante da Família Lemos, o advogado Onir Araújo defendeu que “o poder público não pode alegar ignorância aos termos legais para não cumpri-los”. Ele frisou que o Brasil subscreve a Convenção 169 da OIT, a qual estabelece consulta livre e informada às comunidades quilombolas. “Ela (comunidade Família Lemos) sequer pode se posicionar porque não teve as informações necessárias”, afirmou.

Simara Mombelli, moradora da região, relatou que fez contato com o Internacional para buscar informações sobre o projeto e não foi atendida. Ela questionou sobre o sombreamento da região e a criação de ilhas de calor a partir de barreiras físicas na Orla. A moradora criticou a apresentação de estudo de insolação apenas no Asilo Padre Cacique e não no Morro Santa Teresa. Para Simara, a legislação muda conforme os interesses dos empresários e não da população.

Vereadores

“Acesso à informação é pressuposto para fazermos qualquer debate”, afirmou Karen Santos (PSOL), proponente da reunião. Ela solicitou que a Cuthab encaminhe documento à Prefeitura solicitando diferentes informações sobre o empreendimento, como estudos de impacto de vizinhança e de impacto ambiental, se existem pendências da Copa de 2014 e débitos do Internacional com o Município, além do processo do CMDUA e minuta do projeto. A parlamentar teme que a população não tenha acesso ao empreendimento. Citando o caso dos rolezinhos, quando jovens da periferia iam aos shoppings passear no fim de semana, questionou como os jovens pobres serão recebidos para assistir ao pôr do sol nas torres. 

Como encaminhamento da reunião, Cassiá Carpes disse que proporá ao presidente do Legislativo a realização de nova audiência pública “para dirimir dúvidas”. Ele acredita que o projeto não deve ser votado este ano, pois o tema precisa ser amadurecido e debatido.

Também participaram da reunião os vereadores Hamilton Sossmeier (PTB) e Pablo Melo (MDB) e o vice-presidente de Negócios Estratégicos do Sport Clube Internacional, Paulo Corazza.

Texto

Ana Luiza Godoy (reg. prof. 14341)

Edição

Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)

Tópicos:Guaíbaempreendimentohoteltorre residencialClubeInternacional