Cedecondh

Entidades alertam para riscos da retirada de isenções a pessoas com HIV

Projeto do Executivo municipal prevê diminuição de isenções tarifárias para vários segmentos no transporte coletivo

  • Reunião para debater sobre o fim do passaporte de isenções para a população com HIV/AIDS.
    Gerson Pereira, do Ministério da Saúde, acredita que proposta poderá gerar aumento no número de mortes (Foto: Martha Izabel/CMPA)
  • Reunião para debater sobre o fim do passaporte de isenções para a população com HIV/AIDS.
    Marlowa Truss tem HIV há dez anos e diz que não poderá manter tratamento sem isenção na passagem de ônibus (Foto: Martha Izabel/CMPA)

Durante reunião virtual nesta terça-feira (9/9), a Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh) da Câmara Municipal de Porto Alegre tratou sobre as consequências da possível retirada da isenção, no transporte coletivo, para a população com HIV na Capital. O término desta isenção está previsto no projeto de lei 015/21, apresentado pelo Executivo municipal e que está tramitando na Câmara. No encontro, entidades e convidados foram unânimes ao relatar os riscos, caso a proposição seja aprovada, especialmente no que se refere aos impactos nos cuidados contínuos e no tratamento da doença.

O diretor do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde, Gerson Pereira, solicitou que a proposição seja repensada pelas autoridades, tendo em vista que de fato haverá aumento no número de mortes. “A prevalência de HIV no país é de 0.4; no RS, é de 2.7. No Brasil, temos uma epidemia concentrada; no RS, ela é generalizada, temos uma taxa de transmissão vertical e com o maior número de mortes e de casos do país. Como diretor, sou totalmente contra retirar esse direito. Tivemos redução no diagnóstico dos casos com a pandemia e muitos abandonos de tratamento. Pessoas perderam o emprego, empobreceram. E como vão se tratar de uma doença crônica?”, questionou.

Ao explanar que Porto Alegre está em primeiro lugar entre as capitais com mais casos de Aids, gestantes com HIV e sífilis adquirida, a enfermeira da Vigilância Epidemiológica, Fernanda Vaz, pontuou que “isso tem que ser pensado antes de tomar uma decisão de retirar um direito de saúde dessas pessoas que já têm condição desfavorável em função do seu agravo. Temos pessoas com diagnóstico tardio aqui. É inaceitável que hoje estejamos discutindo um direito que ainda é excludente”, lamentou. A coordenadora municipal de Atenção à Tuberculose, IST, HIV/Aids e Hepatites Virais, Daila da Silva, também informou que a questão vai além do tratamento. “Temos os usuários que têm o atendimento num local, retirada do medicamento em outro. A saúde mental também está inserida nesse contexto, a necessidade de usar outros equipamentos da rede. Não podemos mais permitir pessoas morrendo desta forma, com toda a tecnologia do tratamento. É indispensável a manutenção e ampliação desse direito do transporte”, disse.

Já a representante da AHF Brasil, Simone Avila, pontuou que é preciso “garantir acesso aos serviços de saúde antes de qualquer coisa. Cerca de 2.700 pessoas abandonam os tratamentos. Estamos diante de um projeto que é a retirada de um direito e que vai impactar em menos de 1% da arrecadação, não é uma questão econômica, mas que uma minoria tenha seus direitos garantidos”, finalizou. Em nome da Casa Fonte Colombo, que atua no campo de prevenção ao HIV há mais de 20 anos Capital, Cristiane Martins contou que a entidade está preocupada com o projeto. “A isenção também contribui para a melhoria da saúde e sobrevivência das pessoas, conviver com outros que estão na mesma situação, atividades para o seu cuidado, reinserção social. Nós não podemos curar, mas temos a profunda convicção de que podemos cuidar”, ponderou.

Beneficiárias da política

Marlowa Truss relatou que tem HIV há dez anos e reforçou o pedido para que a isenção não acabe. “Tenho um salário mínimo, recebo o BPC (Benefício de Prestação Continuada) e isso não é suficiente. Se essa proposta for aprovada, não vou ter como manter os meus tratamentos médicos com infectologista, com pneumologista. Tenho problemas dermatológicos devido ao alto índice de corticóides para os problemas respiratórios. Estou com 70% dos pulmões prejudicados. Quem vai empregar uma pessoa portadora de HIV e com todos os problemas que eu apresento? Ninguém. Por favor, não tirem a isenção, porque vai ser bem difícil e vai agravar a saúde pública do município.”

Aos 63 anos, Cláudia Luz contou que possui várias sequelas em função da doença e pelo tratamento com remédios, que são quimioterápicos. “Estou com um processo pela sexta vez para receber um benefício, tenho surdez parcial, já operei catarata. Estou com carga viral indetectável há bastante tempo. Sou agente da pastoral, trabalho com pessoas nas ruas que preferem comer do que fazer o tratamento, terminou o remédio e não vão buscar. Muitos escondem da família com medo de serem rejeitados e excluídos. Não era momento de fazer isso e, sim, de fornecer mais meios para as pessoas procurarem a sua saúde”, finalizou.

Fóruns

Representando o Fórum ONGs Aids do RS, Rubens Raffo, apontou que “a maior parte das pessoas que vivem com HIV/Aids estão na Região Metropolitana e na periferia da cidade. Muitos vem se tratar em Porto Alegre por uma questão de sigilo, inclusive aqui também temos esse problema. A maioria só consegue ter seus atendimentos com o passe livre; se não tiver, não consegue ter acesso à rede pública de saúde. Estamos condenando essas pessoas à morte retirando esse direito”, afirmou.

O representante do Fórum Municipal dos Conselhos da Cidade e do Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência, Nelson Khalil, também reforçou que o projeto vai economizar uma passagem, mas vai gastar muito dinheiro em tratamentos de saúde. "As pessoas vão deixar de se tratar, de fazer consultas, fisioterapia, aderir a tratamentos. Isso vai ocasionar um custo financeiro em vidas muito grande para a prefeitura municipal. Gastamos mais com medicações e locomoção. Como vamos mudar a legislação em período atípico, que é de pandemia? Deveria haver auditoria no transporte. Por uma questão humana, nós temos que retirar esse projeto de isenção da Câmara”, solicitou Khalil.

Parlamentares

A proponente da reunião, vereadora Laura Sito (PT), lembrou a importância do debate para explicitar a todos e aos parlamentares o impacto do projeto. “Ele visa à retirada de nove das atuais 14 isenções. Queremos sensibilizar o debate para que não retrocedamos mais de 30 anos de luta no combate à Aids. Pudemos ver hoje e levaremos aos vereadores o alerta de que retirar isenções significa inviabilizar acessos, gerando casos de demandas de longas internações. Uma política de austeridade que retira um direito e pode estourar em outra ponta, como no Sistema Único de Saúde. Deveríamos estar debatendo a amplificação dessa política”, apontou.

Presidida pelo vereador Alexandre Bobadra (PSL), a reunião também teve a presença dos vereadores Leonel Radde (PT) e Pedro Ruas (PSOL) e dos vereadores integrantes da Cedecondh Matheus Gomes (PSOL), Mônica Leal (PP) e Professor Franzen (PSDB) – que substitui interinamente o vice-presidente Kaká D'avila (PSDB).

Texto

Bruna Mena Bueno (reg. prof. 15.774)

Edição

Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)

Tópicos:ônibusAidsHIVtarifaisençõestransporte coletivo