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Entidades contestam desvinculação de recursos do Fundo do Idoso

  • A situação do Fundo Municipal do Idoso de Porto Alegre. Na foto, Leci Matos
    Leci Matos, do Comui, disse que é necessário ampliar os serviços de acolhimento e atendimento aos idosos (Foto: Ederson Nunes/CMPA)
  • A situação do Fundo Municipal do Idoso de Porto Alegre. Na foto, Neli Miotto
    Neli Miotto disse que doadores querem garantia de que recursos doados não serão desviados a outras finalidades (Foto: Ederson Nunes/CMPA)

A situação do Fundo Municipal do Idoso (Fumid) de Porto Alegre foi o tema da reunião da Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Pública (Cedecondh) da Câmara da Capital, realizada na tarde desta quinta-feira (16/9). Proposto pelo Conselho Municipal do Idoso (Comui), o encontro virtual foi coordenado pelo vereador Matheus Gomes (PSOL) e contou com a presença de diversas entidades não governamentais que prestam atendimento à população idosa. Também participaram da reunião os vereadores Alvoni Medina (Republicanos), Kaká D’Ávila (PSDB) e Laura Sito (PT), membros da Comissão, e Airto Ferronato (PSB), como convidado.

Leci Matos, presidente do Comui, disse que é necessário ampliar os serviços de acolhimento e atendimento aos idosos, que são uma grande parcela da população na Capital. Eleonora Spinato, vice-presidente do Conselho, apresentou o problema vivido pelo colegiado e pelas entidades que realizam o atendimento a idosos no município e que motivou a reunião. Ela explicou que, até 2016, os recursos do Fundo iam diretamente para o caixa único da Prefeitura, situação que só foi modificada a partir de apontamento do Tribunal de Contas do Estado (TCE), o qual solicitou a abertura de uma conta específica.

Conforme Eleonora, quando a conta foi aberta, os R$ 25 milhões destinados ao Fumid não migraram para a mesma, pois já tinham sido usados pelo governo da época. A partir de 2017, os recursos das captações foram para essa conta. No entanto, em 2018, o Conselho foi pego de surpresa por um decreto do prefeito, baseado na Emenda Constitucional nº 93, desvinculando parte do recurso dos fundos municipais. Segundo ela, o Executivo usou 30% de toda a arrecadação do Fumid para pagar contabilmente a dívida pelo uso dos R$ 25 milhões utilizados no caixa único. “Quando foi zerada a dívida pela Prefeitura, o prefeito Marchezan fez um decreto em que retirava o Fumid e o Funcriança desta norma. Para nossa surpresa, em 21 de janeiro deste ano, o prefeito (Sebastião) Melo revogou esse decreto e começou de novo a desvinculação do recurso”, relatou.

A vice-presidente do Comui destacou que as instituições captam recursos para o Fundo com muito sacrifício para manter seus projetos e atender os idosos. “Temos um compromisso muito sério com o doador. O doador escolhe o projeto para onde vai doar e não sabe que 30% desse valor vai para a Prefeitura”, ressaltou, acrescentando que as iniciativas das entidades podem não ser executadas na íntegra com 30% a menos. Ela ainda criticou a demora, “às vezes de oito meses”, no repasse das parcelas do Fundo para as entidades que arrecadaram. 

Anete Oliveira, conselheira do Comui, detalhou a situação financeira do Fundo. Disse que houve “mais de R$ 20 milhões perdidos contábil e financeiramente”. Conforme ela, o Fundo tem R$ 39 milhões comprometidos com projetos das organizações sociais (com projetos aprovados e recurso captado), mas o saldo é de apenas R$ 21 milhões. “Além do valor perdido devido à conta única, a partir de 2021 reiniciou a desvinculação de 30%. E, embora este valor fique na conta do Fundo, ele está como um recurso da Prefeitura e não do Fundo”, destacou, explicando que, como está, o recurso pode ser utilizado para qualquer finalidade definida pelo Executivo. De acordo com a conselheira, a legislação estipula que os recursos só poderiam ser destinados a projetos envolvendo a população idosa. 

Executivo

Raphael Ramalho, coordenador dos Direitos da Pessoa Idosa da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS), elogiou o trabalho desenvolvido pelo Comui e entidades e destacou que o atual governo “efetivamente não tocou em nenhum real do recurso desvinculado”. De acordo com ele, a desvinculação “é contábil para efeito de garantias bancárias para o Município”.

Conforme o representante da SMDS, há uma posição do Executivo em conversar com o Conselho sobre os projetos do governo destinados aos idosos para que o Fundo também possa ampará-los. Uma das destinações prioritárias seria o atendimento a idosos grau 3, que são aqueles com maior dependência. “A ideia não é retirar dinheiro de algum lugar, é retroalimentar”, enfatizou, defendendo a construção de alternativas em conjunto.

Entidades

Para Emir da Silva, representante da Associação de Cegos Louis Braille (Acelb), a política de grau 3 não pode ser atendida com recursos do Fundo. “É prioridade, mas é o governo quem deve garantir”, pontuou. Com relação à desvinculação, destacou que o recurso doado a um projeto é doado com uma destinação certa e, por isso, “moralmente não é correto desviar para outra finalidade”. “O patrocinador optou por um projeto específico da entidade que captou o recurso. Este não é um recurso público”, enfatizou.

Neli Miotto, representante da Fundação Gaúcha dos Bancos Sociais, disse que as entidades da sociedade civil não têm nenhuma garantia de que o recurso do Fundo não será utilizado pelo Executivo. Ela defende que as políticas públicas do poder público acompanhem o envelhecimento da população. “As entidades desenvolvem os projetos, vão atrás de doadores, e aí a prefeitura vai lá e retira 30%. Como aceitar isso?”, questionou. Conforme ela, alguns dos doadores da entidade já afirmaram que, se o decreto seguir vigente, deixarão de fazer doações, pois preferem doar para projetos onde 100% do valor seja destinado na finalidade.

Conforme Luiz Dutra Niederauer, gerente técnico da SPAAN e conselheiro do Comui, a desvinculação gera preocupação nas instituições que não têm renda própria e vivem através de doações. “A atual situação nos causa desconforto e quase desespero”, afirmou, acrescentando que a credibilidade das organizações junto aos doadores fica abalada com essa situação. “Estamos pedindo o entendimento e o bom senso. O Fumid não deveria estar nesse decreto”, finalizou.

Representando o Instituto de Geriatria e Gerontologia da PUC-RS, Newton Luiz Terra afirmou que espera uma administração leal e honesta. Lembrando que Porto Alegre conta com quase 300 mil idosos, disse que a população que está na última etapa do seu estado vital merece uma consideração especial. “Não tire, senhor prefeito, um centavo dessa população que está morrendo miseravelmente, fora e antes do tempo, com grande sofrimento, porque os míseros investimentos são desviados”, finalizou.

Vereadores e encaminhamentos

Airto Ferronato lembrou que foi o proponente da criação do Fundo Municipal do Idoso, em 2010, e que, desde sua implantação, os valores doados para a área do idoso cresceram exponencialmente, passando de R$ 9,5 mil para mais de R$ 17 milhões. Ele esclareceu às entidades que o decreto é um documento de iniciativa exclusiva do prefeito e que, portanto, não cabe à Câmara alterar a redação. Como alternativa, sugeriu que a Cedecondh encaminhe um documento ao prefeito com os argumentos apresentados na reunião e a solicitação de retirada do Fumid no decreto.

Para Matheus Gomes, os relatos apresentados são muito graves. “Foi apresentado aqui como manobra contábil, mas é inaceitável”, afirmou. Ele ainda abordou a importância do intercâmbio geracional, tendo em vista a participação dos dois vereadores mais jovens da Câmara (ele e Laura Sito) no debate do tema que envolve os idosos da cidade. Como encaminhamento da reunião, o vereador acatou a proposta de Ferronato de entregar um documento ao prefeito com a demanda das entidades e sugeriu, se necessário, a formação de uma comissão para dialogar com o Ministério Público de Contas para ampliar a pressão.

Texto

Ana Luiza Godoy (reg. prof. 14341)

Edição

Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)

Tópicos:CedecondhFundo Municipal do IdosoFumidConselho Municipal do IdosoComui