Cosmam

Legislativo voltará a ter Frente Parlamentar sobre a Aids em Porto Alegre

Comissão debate o contexto epidemiológico e politicas públicas para o enfrentamento da HIV/AIDS.
Cosmam se reuniu hoje de manhã para discutir as doenças sexualmente transmissíveis (Foto: Leonardo Cardoso/CMPA)

O resgate de uma Frente Parlamentar para debater a situação da prevenção e combate a Aids em Porto Alegre será prioridade para 2020, conforme o vereador Aldacir Oliboni (PT), proponente da pauta da reunião extraordinária da Comissão de Saúde e Meio Ambiente desta quinta-feira (5/12). No encontro, presidido pelo vereador José Freitas (Republicanos), a coordenadora municipal HIV/Aids, Caroline Zacarias, apresentou dados do governo federal que colocam, pela primeira vez desde 2008, Porto Alegre fora do primeiro lugar entre as capitais brasileiras na identificação de casos da doença.

Em 2018, conforme os números, a cidade ficou em terceiro lugar no ranking de detecção, com uma pequena diferença para João Pessoa (PA) e Florianópolis (SC), com a identificação do vírus de 50 a cada 100 mil habitantes. Caroline ressaltou que é desafio do governo municipal implementar medidas que garantam maior acesso das populações-chave aos serviços de saúde; a melhor capacitação de profissionais; e o combate ao estigma e preconceito.

Mas o que parece um dado positivo pela ótica do governo pode, segundo representantes dos movimentos sociais, esconder um retrocesso das políticas públicas de saúde e ação social, tanto para quem não tem ou não sabe que tem o vírus, como para quem já foi diagnosticado e precisa de tratamento. De acordo com Carlos Alberto Duarte, vice-presidente do Grupo de Apoio e Prevenção à Aids (Gapa), a descentralização e transferência dos atendimentos para as unidades básicas, antes feitos nos centros de referência, dificultou o acesso aos serviços. Ele também lembrou que Porto Alegre está atrás de São Paulo, “que com uma população muito maior conseguiu zerar a transmissão vertical”, quando crianças são contaminadas durante a gravidez.

“Porto Alegre já foi exemplo para o Brasil em políticas de prevenção e combate às DST/Aids. Hoje temos uma endemia generalizada, com índices muito acima dos nacionais e internacionais”, que colocam a capital gaúcha como a com maior número de mortes em consequência da doença, 22 a cada 100 mil habitantes. Para ele, o resultado negativo de Porto Alegre está “na precarização da gestão, no desmonte dos serviços e na falta de diálogo com os movimentos sociais, porque aqui o gestor vira as costas para nós”.

Um exemplo de má gestão citado por Duarte é a forma em que a testagem rápida é aplicada na rede municipal, com horário marcado. “Se é com hora marcada não é rápida”, destacou ao afirmar que as pessoas relutam muito em se expor e procurar saber se estão ou não contaminadas com o HIV. “Aí, se chegam no posto e tem que marcar hora, tirar ficha, porque são algumas poucas restritas ao dia, vão embora e não voltam mais”, salientou. O Gapa, juntamente com Ongs, lançou recentemente uma campanha educativa, “Aids é Fato”, em alusão às manifestações de combate às fake news.

Presente ao encontro da Cosmam, o médico infectologista do Hospital Conceição, Breno Riegel Santos, disse que é a segunda vez que participa de discussões sobre o tema, mas que os problemas seguem sendo os mesmos, principalmente no distanciamento do Estado das pessoas que sofrem com a doença. Atuando desde a década de 70, o médico disse que os números de mortes reduziram drasticamente, o que não significa serem bons os atuais índices.

Para ele, o Brasil é um dos países que oferece o melhor sistema para tratamento de pacientes com HIV/Aids. “Temos uma infraestrutura admirável, com distribuição de medicamentos modernos e de qualidade em todo o país, e que apresentam resultados que permitem a uma pessoa tratada não morrer mais da doença”, afirmou. Declarou ainda que no Hospital Conceição a transmissão vertical foi zerada “faz tempo”, a partir da criação da Unidade de Prevenção a Transmissão Vertical (UPTV) e a aplicação de medidas como a testagem, não apenas da mãe, mas também do pai, o que permite dar início aos procedimentos de combate ao vírus ainda durante a gravidez.

Santos alertou ainda para a situação de outras doenças sexualmente transmissíveis que estão ressurgindo, e não diagnosticadas corretamente, como a clamídia, gonorréia e sífilis. “Temos um estudo que aponta uma grande circulação e é preciso um forte trabalho de conscientização, de educação”, disse o infectologista, diante da falta do uso de métodos preventivos, como o uso da camisinha.

Já a pediatra Carmem Lúcia Oliveira da Silva, coordenadora do Programa Aids do Hospital de Clínicas, classificou a situação digna de uma pandemia. Reclamou da falta de medicamentos nas farmácias públicas e que o efeito de não dar a medicação adequada é “desastroso”. Disse que mesmo diante da portaria do governo, publicada há um ano, determinando procedimentos para reduzir as transmissões verticais, as coisas não funcionam.

Encaminhamentos

Proponente da pauta, Oliboni afirmou que pretende resgatar, em 2020, a Frente Parlamentar instituída no Legislativo para o debate permanente da prevenção e combate à Aids na cidade. De acordo com Oliboni, a posição de Porto Alegre no ranking deve ser enfrentada e os vereadores têm um papel fundamental na discussão de medidas com ampla participação dos movimentos sociais, técnicos e especialistas.

Outra sugestão partiu da vereadora Cláudia Araújo (PSD), que defendeu a elaboração de um projeto de lei que obrigue pais a realizarem o exame de testagem do HIV no pré-natal. “Esse é um ponto que podemos colocar em discussão aqui na Cosmam ou mesmo na Frente Parlamentar no ano que vem”, disse a vereadora. Também participaram da discussão Maria Letícia Ikeda, da Secretaria Estadual da Saúde; o defensor público Enir Madruga de Avila; Gilmar Campos, vice-presidente do Conselho Municipal da Saúde; Tina Taborda Rovira, do Núcleo de Estudos da Prostituição; Cleiton Euzébio de Lima, diretor da UNAIDS Brasil; e Alexandre Boer, do coletivo Somos.

Texto

Milton Gerson (reg.prof. 6539)

Edição

Marco Aurélio Marocco (reg. prof. 6062)