AUDIÊNCIA PÚBLICA

Projeto sobre logística reversa é debatido na Câmara

Entidades defenderam participação dos catadores no processo

Audiência Pública sobre Logística Reversa.  Manifestações de vereadores e representantes de associações de catadores, secretário municipal e diversos interessados
Audiência foi realizada de forma virtual na noite desta quarta-feira (Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA)

A Câmara Municipal de Porto Alegre realizou audiência pública virtual nesta quarta-feira (14/10) para debater quatro projetos de lei do Poder Executivo que tratam do recolhimento, armazenamento e destinação adequada de resíduos na Capital: o PLCE Nº 012/2020, que institui a Política Municipal de Logística Reversa dos Resíduos Originários de Embalagens de Papel, Plásticas, Metálicas, de Vidro e de Multicamadas; o PLE Nº 014/2020, que dispõe sobre a Responsabilidade dos Estabelecimentos Públicos e Privados que Dispensam Medicamentos de Uso Humano e Veterinário; o PLE 015/20, que institui a Política Municipal de Logística Reversa de Lâmpadas, Eletroeletrônicos, Pilhas e Baterias; e o PLE Nº 016/2020, que institui a Política para Logística Reversa de Pneus. O debate, coordenado pela vereadora Lourdes Sprenger (MDB), vice-presidente do Legislativo, contou com cerca de 50 participantes e focou de forma mais intensa a proposta que aborda a logística reversa de embalagens de papel, plástico, metal e vidro. 

A vereadora Cláudia Araújo (PSD), proponente da audiência pública ao lado da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária (ABES), destacou que em Porto Alegre o lixo representa a terceira maior despesa do município, sendo necessário repensar a gestão de resíduos. A parlamentar citou que boa parte de sua atuação na área ambiental é influenciada por entidades do setor, as quais estão preocupadas com o PLCE 012/20, onde os trabalhadores que atuam na coleta e na triagem de resíduos não são citados. Nesse sentido, ela apresentou emenda em conjunto com as entidades “com o intuito de tentar minimizar os danos que catadores e recicladores podem sofrer”. “Propus a audiência para melhor ouvir e entender o que precisamos fazer. A reciclagem é um trabalho digno que deve ser respeitado”, afirmou. Ela sugeriu aos representantes do Executivo que “segurem o projeto para um debate mais profundo, já que impactará, além do meio ambiente, a vida de milhares de famílias”. 

A assessora jurídica da Secretaria do Meio Ambiente e da Sustentabilidade (SMAMS), Angela Molin, destacou que a gestão dos resíduos é um grande desafio da era contemporânea e do senso de coletividade. “Hoje temos três frentes: coleta seletiva, coleta domiciliar e alguma coisa de entrega voluntária do gerador para destino certo, e é nesse último ponto que queremos aumentar a atuação e trabalhar em uma responsabilidade compartilhada”, afirmou. Conforme a servidora, é preciso trabalhar para “reusar, reciclar, reduzir e impactar menos o meio ambiente com alternativas para esses resíduos”. 

A representante da SMAMS explicou que o objetivo da Política Municipal de Logística Reversa é compartilhar a responsabilidade e aumentar a reciclagem dos resíduos. “Temos regras gerais da Política Nacional e podemos suplementar a lei federal olhando para a realidade de Porto Alegre. Queremos estabelecer a responsabilidade compartilhada entre consumidor, fabricante, comerciante e Poder Público instituindo a Política Municipal para Logística Reversa para os quatro grupos de resíduos, com metas de recolhimento”, destacou. Ela ressaltou ainda que o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) estima uma economia de R$ 4 milhões com uma adesão pequena ao manejo de resíduos;  R$ 12 milhões com uma adesão média; e R$ 19 milhões com uma adesão elevada.

Entidades

Para Alex Cardoso, representante da Cooperativa dos Catadores da Cavalhada e membro do  Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável, os projetos devem “reconhecer e distribuir renda aos catadores”. “Somos protagonistas na questão dos resíduos em Porto Alegre e não fomos chamados para discutir. Há mais de 30 anos fazemos a parte mais pesada do trabalho”, afirmou. Para ele, a logística reversa deve beneficiar os catadores ao invés do setor privado. “A lógica do pagamento pelo trabalho rompe o cordão umbilical da pobreza. Que a gente possa executar o serviço da logística, buscando esses resíduos nos pontos de coleta e levando até a triagem”, defendeu.

Antônio Matos, do Fórum de Catadores de Porto Alegre, “que há muitos anos realiza reuniões mensais para tratar desse tema”, demonstrou preocupação porque em nenhum momento se sentiu, ao lado dos seus colegas de Unidades de Tratamento (UTs), citado ou lembrado nas propostas. “Fomos colocados de forma anônima. Somos um milhão de pessoas no país. Fomos esquecidos propositalmente? Não aceitaremos isso. Peço, por favor, que sejamos incluídos oficialmente”, reivindicou. Para ele, “é impossível que com tantos técnicos na prefeitura e especialistas envolvidos, não sermos citados ou lembrados. Não somos nem comerciantes nem distribuidores. Queremos estar presentes nas reuniões sobre isso”, afirmou. Matos disse “ver com bons olhos” as propostas, mas que quer poder “debater, conversar e contribuir” com as mesmas.

“Temos uma experiência sempre que se fazem leis - ainda que boas - de cima para baixo. Sempre que quem faz a lei não constrói desde o início com quem será afetado, a chance de dar errado é muito grande”, afirmou o vereador Marcelo Sgarbossa (PT). O parlamentar frisou que o projeto surgiu sem um debate prévio, principalmente com a rede de catadores que existe há anos na cidade. “Concordamos que se precisa de uma política de logística reversa, mas tem que se pensar em quem trabalha com o resíduo”, destacou.

Já Cesar Faccio, representante da Coalizão Embalagens, grupo de organizações representativas do setor empresarial de embalagens, demonstrou preocupação por não encontrar no projeto de lei um alinhamento maior entre a construção de legislação sobre o tema que está sendo feita em âmbito nacional e estadual. Acrescentou, ainda, que há metas difíceis de serem cumpridas, já que o fabricante não tem como saber em quais municípios são consumidas as embalagens que produz. Ele concordou que a estruturação do sistema deve se dar a partir das cooperativas e associações de catadores e defendeu metas proporcionais e progressivas.

Contraponto

De acordo com o secretário da SMAMS, Germano Bremm, a concepção do projeto tem como foco “trazer para a responsabilidade aquele que produz o resíduo, impondo essas obrigações com metas com a lógica de que todo aquele que produz é responsável pela destinação adequada”. O gestor disse que a forma de coleta não foi limitada, mas permite a atuação dos catadores. “Com essa proposta de lei se cria um universo de oportunidades para a profissionalização dos catadores”, afirmou, acrescentando que a proposta irá fomentar a atividade. Bremm ainda disse que se for necessário serão feitos ajustes no projeto e que o debate é importante “para amadurecer o processo” antes de colocar a proposta em votação.

Também se manifestaram Ana Luiza Spotormo, do Ciclo Sem Lixo; Paula Medeiros, do Centro Cultural Marli Medeiros (CEMME); Nicole Portela, do Instituto Lixo Zero Brasil; Simone Pinheiro, das associações Anjos da Ecologia e Reciclando pela Vida; John Wurdig, do Movimento Pan; e Natália Pietzsch, representado a entidade Ações para Reciclagem e Compostagem (Arco). 

Reciclagem de embalagens

O PLCE Nº 012/20 abrange os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes que produzam, importem, comercializem ou disponibilizem produtos embalados no município de Porto Alegre, assim como consumidores que gerem resíduos pós-consumo. Pela proposta, os fabricantes e importadores  de produtos embalados comercializados na Capital, independentemente da sua localização, serão obrigados “a estruturar, a  implementar e a executar sistema de logística reversa , de forma independente dos serviços públicos de limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos urbanos”.

A ideia, conforme o Executivo, é que o setor empresarial, a sociedade e o poder público partilhem a responsabilidade da logística reversa. A justificativa do projeto aponta que cerca de 70% dos resíduos recicláveis gerados no município são constituídos por embalagens pós-consumo. A responsabilidade pelo recebimento dos resíduos entregues pelos consumidores, bem como a remoção, o beneficiamento e a reciclagem de embalagens pós-consumo é do setor empresarial, que atualmente não assume esse custo, onerando o poder público. Pela proposta, as empresas deverão se cadastrar e enviar anualmente à Prefeitura Municipal ou a outra entidade por ela designada, a declaração do quantitativo de embalagens ou de produtos embalados fabricados, produzidos ou comercializados na capital gaúcha e o percentual efetivamente encaminhado para os locais de recebimento, com o objetivo de constatar se a meta prevista foi cumprida.

Descarte de medicamentos

O PLE Nº 014/20 trata da responsabilidade das empresas públicas e privadas que dispensam medicamentos de uso humano e veterinário em Porto Alegre. Conforme o projeto, os consumidores devem entregar os medicamentos em desuso às farmácias de qualquer natureza, agropecuárias, pet shops, clínicas veterinárias e demais estabelecimentos públicos e privados que descartam medicamentos de uso humano e veterinário, atendendo às normas estabelecidas pelos órgãos ambientais e de vigilância sanitária em âmbito federal, estadual e municipal.

De acordo com o Executivo, o objetivo do projeto  é qualificar e organizar a política pública voltada ao gerenciamento dos resíduos de medicamentos em desuso por parte dos setores envolvidos. “É comprovado que o descarte inadequado dos medicamentos em desuso tem como consequência danos ambientais ao meio físico (solo e água) e biótico (seres vivos), assim como a saúde pública”, afirma a justificativa da proposta.

Descarte de lâmpadas, eletroeletrônicos, pilhas e baterias

O PLE Nº 015/20, que institui a Política Municipal de Logística Reversa de Lâmpadas, Eletroeletrônicos, Pilhas e Baterias, traz obrigações aos fabricantes, importadores, distribuidores, assistências técnicas autorizadas, comerciantes e consumidores desses materiais. A proposta suplementa normas federais sobre o tema e disciplina aspectos sobre locais de recebimento, transporte, triagem, preparo, reaproveitamento, reciclagem, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos. Ela também proíbe o descarte desses materiais na coleta de resíduos sólidos urbanos ou nas unidades de recebimento de resíduos sólidos urbanos de responsabilidade do Município.  

Descarte de pneus

O PLE Nº 016/20 institui a Política Municipal para Logística Reversa de Pneus (PMLRP), abrangendo fabricantes e importadores de pneus novos, comerciantes de pneus novos e reformados, prestadores de serviços de reparo, incluindo borracharias, além dos consumidores finais que utilizam pneus. A proposta também veda o descarte desses materiais na coleta de resíduos sólidos urbanos ou nas unidades de recebimento de resíduos sólidos urbanos de responsabilidade do Município, bem como o armazenamento a queima de pneus a céu aberto ou seu descarte em aterros, terrenos baldios, áreas de preservação ou corpos d'água.

 

Texto

Mariana Bertolucci (reg. prof. 8479)
Ana Luiza Godoy (reg. prof. 14341)

Edição

Marco Aurélio Marocco (reg. prof. 6062)