CEDECONDH

Recicladores propõem revisão da Lei das Carroças

Recicladores, carrinheiros e catadores. Licença para trabalhar e a Lei nº 10531/2008 da Redução gradativa dos veículos de tração humana.
Recicladores foram à Câmara pedir revisão da legislação (Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA)

Na tarde desta terça-feira (27/08), a Comissão do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh) da Câmara Municipal de Porto Alegre realizou uma reunião para debater sobre a licença trabalhista para recicladores, carrinheiros e catadores e reanalisar a Lei nº 10531/2008, que instituiu a proibição gradativa de veículos de tração animal, tração humana e carroças. “Não faremos absolutamente nada sem o consenso desta plateia de trabalhadores que estão aqui. Como foi colocado anteriormente, não queremos nenhuma decisão de cima para baixo, queremos que ela contemple a vida e a dignidade das pessoas”, declarou o proponente da pauta, o vice-presidente da comissão, vereador Adeli Sell (PT). 

Os representantes de recicladores, carrinheiros e catadores presentes pedem uma prorrogação de quatro anos na lei para garantir que todas as demandas sejam atendidas. A proposta é que os primeiros dois anos sejam reservados para realizar um novo censo e a admissão na política municipal de resíduos recicláveis, que não engloba estes trabalhadores. Conforme dados do Desabafa, um comitê popular do bairro Farrapos, o último levantamento do número de profissionais que lidam com resíduos realizado pela Prefeitura está desatualizado, pois não comporta todas as categorias. “Nós queremos que a Prefeitura entenda que todos nós somos catadores, independente do veículo que se usa e do trabalho que se faz na cadeia produtiva, porque o que maneja o material reciclável dentro do galpão de vila também é catador. Ele está classificado assim no código brasileiro de ocupações. E se é reconhecido pelo código nacional, quem é Porto Alegre para dizer que não? Queremos um novo censo que inclua carrinhos, condutores de veículos automotores e os trabalhadores dos galpões de manejo”, afirmou o conselheiro da Associação Desabafa, Paulo Guarnieri.

De acordo com o Desabafa, há, em média, 7 mil profissionais que lidam com reciclagem em Porto Alegre e a maioria atua na área do 4° Distrito da cidade. Guarnieri também alega que a coleta realizada pela Prefeitura não atende a grande demanda de recolhimento de lixo em Porto Alegre. “Só no 4°  Distrito são mais de 2 mil pessoas atuando.Todo o sistema municipal de tratamento de resíduos produz não mais de 1.200 toneladas por mês. Esse pessoal, só no 4° Distrito, produz 950 toneladas, quase a mesma coisa, imagina em toda a cidade. É disso que estamos tratando. O poder público deixa de gastar para prejudicar o meio ambiente. Nós precisamos de um programa inteligente, que incorpore as pessoas, que garanta a renda dessas famílias”. 

O diretor de empreendedorismo da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, João Freire, declarou que o levantamento está sendo realizado, porém, foi interrompido após as cheias que assolaram o Rio Grande do Sul. “Acho isso bastante importante: nós temos que conhecer estas pessoas. Para isso, conversamos há quase um ano com pessoas que inclusive estão presentes aqui, para fazer esta investigação qualitativa do que existe no Brasil e em Porto Alegre sobre carrinheiros, recicladores e catadores. Isso iniciou em janeiro e já temos um bom material. Mas, quando íamos a campo, a cidade inundou. Estamos com uma prorrogação, mas está em andamento.”

Freire estima que a retomada de programas de incentivo e políticas públicas ocorra após o término do período eleitoral. “Hoje mesmo, estava fazendo uma reunião com a PGM para ver como que a gente faz a legalização da retomada do contrato. Esse material vai nos ajudar, a partir de evidências e estabelecer políticas públicas. Também foi criado nesse tempo um programa para que aqueles recicladores e catadores que quiserem já se inserirem em outros mercados será possível a partir de identificação de vagas no mercado e uma bolsa com incentivo de capacitação para a pessoa se viabilizar no período de capitalização.”

A bolsa de incentivo, criada em parceria com o Senac, também foi temporariamente adiada e abrirá novos editais em novembro. O público-alvo, conforme Freire, são pessoas em sua maioria jovens que gostariam de novas oportunidades de emprego. “Estava determinado pelo prefeito iniciar antes do período eleitoral para provavelmente jovens que têm uma perspectiva de se qualificar e adentrar o mercado de trabalho e assim fizemos, mas com as enchentes suspendemos o trabalho e ele vai ser retomado tão logo a passar o período eleitoral. Então, com estes dois projetos nós imaginamos que estaremos dando um passo adiante no processo de realocação e assim a gente pensa que pode ajudar.” O diretor também afirmou que serão realizadas reformas em nove unidades de triagem de reciclagem no fim de 2024. 

Em resposta, o representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), Fagner Jandrey, classificou as iniciativas propostas por Freire como um retrocesso. “É cansativo vir aqui de novo, falar a mesma coisa, que as pessoas têm o direito de trabalhar. Estamos indo na contramão do mundo inteiro. Essas propostas de trocar de profissão não é proposta para nos apoiar, é para nos exterminar. Catador é profissão, está na CBO, nós somos profissionais no que fazemos e fazemos muito melhor do que as empresas milionárias”, expressou. Para Jandrey, há uma demanda de jovens que gostariam de trocar de profissão por conta da falta de investimento em políticas públicas. “Os mais jovens só não têm desejo de seguir a profissão porque nunca tiveram apoio. A partir do momento que tivermos apoio e investimento de recursos para que o nosso trabalho continue sendo forte, é claro que nossos filhos e netos vão querer continuar fazendo esse serviço. Só não querem porque estamos em uma situação de precariedade e perseguição.”

O MNCR defende que, comparado a outros países da América do Sul, o Brasil apresenta um atraso a respeito desta questão. “Nós estamos prestando um serviço público para um município de graça. Tem exemplos na Colômbia e na Argentina, que as pessoas recebem para fazer o que a gente faz. Essa proposta de enfiar todo mundo em um galpão não funciona. Uma política de reciclagem séria de inclusão tem que incluir todo mundo: os catadores de rua, o pessoal que trabalha em galpões. Tem que colocar todo mundo nessa história, mas com dignidade, investimento e com pagamento pelo serviço prestado. É isso que queremos ”.

A lei 

Conforme revisado, o artigo 2º da Lei nº 10531/2008 exige “ações que viabilizarão a transposição dos condutores de VTAs e dos condutores de VTHs para outros mercados de trabalhos, por meio de políticas públicas de transposição anual que contemple todos os condutores de VTAs e todos os condutores de VTHs identificados e cadastrados pelo Executivo Municipal”. As iniciativas para transposição anual não foram cumpridas. 

Dentre as ações de que trata o artigo 2º da lei, estarão aquelas que qualifiquem profissionalmente os condutores de VTAs e de VTHs identificados e cadastrados pelo Executivo Municipal para o recolhimento, a separação, o armazenamento e a reciclagem do lixo, observando-se as políticas públicas de educação ambiental. A Cedecondh acatou as sugestões de Paulo Guarnieri para incluir no programa de qualificação as categorias de coleta e reciclagem, com o objetivo de qualificar e garantir acesso a melhores leis trabalhistas para os profissionais da área. 

Texto

Renata Rosa (estagiária de jornalismo)

Edição

Marco Aurélio Marocco (Reg. Prof. 6062)