A urgência de romper o silêncio
Mais da metade das mulheres vítimas de violência atendidas pelo Grupo Hospitalar Conceição sequer aceita receber acompanhamento ou não é mais localizada pela rede de apoio. Este dado, trazido à tona em recente reportagem, é um alerta brutal: não basta apenas denunciar, é preciso garantir que essas mulheres consigam continuar vivas — física e emocionalmente — após o primeiro pedido de socorro.
Foi com essa consciência que promovemos, na Câmara Municipal de Porto Alegre, uma reunião da Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh), para debater estratégias concretas de enfrentamento à violência contra a mulher em nossa cidade.
A dor de cada uma que desiste da denúncia ou não retorna ao atendimento tem raízes profundas: medo, dependência financeira, ausência de rede de apoio, vergonha, e, muitas vezes, a simples falta de acesso a serviços básicos — como transporte ou acolhimento para os filhos.
Ficou evidente que não basta termos leis e espaços como a Sala das Margaridas, no GHC, ou o CRAM Márcia Calixto. Precisamos garantir que as mulheres tenham condições reais de acessar esses serviços e se manter neles. Precisamos entender por que tantas não voltam — e não culpá-las, mas sim construir pontes.
Foi o que nos disse Bárbara Penna, sobrevivente de uma tragédia que não começou com o fogo, mas com o silêncio. A violência contra a mulher, como ela lembrou, começa muito antes do soco ou do tiro. Começa na desvalorização, no controle, no isolamento.
Nosso papel como sociedade — e especialmente como gestores públicos — é romper esse ciclo. Isso significa ampliar a rede de proteção, investir em acessibilidade para mulheres com deficiência, garantir presença em territórios vulneráveis e qualificar o atendimento desde a base, com agentes de saúde, escolas, CRAS, segurança pública e toda a rede.
A violência de gênero não é um problema privado, tampouco restrito a uma classe social. É uma chaga coletiva. E só será superada com diálogo, ação coordenada e, acima de tudo, coragem. Coragem para ouvir, acolher, proteger e transformar.
Nenhuma mulher pode ser esquecida ou deixada para trás. O cuidado com quem sofre violência precisa ser acessível de verdade — para que toda mulher se sinta acolhida, ouvida e protegida.
Seguiremos lutando. Pela vida, pela dignidade e pela liberdade de cada mulher.