Fórum Social Temático

Boaventura defende reforma política para fortalecer a democracia

Mesa do debate realizado nesta quarta Foto: Leonardo Contursi/CMPA
Mesa do debate realizado nesta quarta Foto: Leonardo Contursi/CMPA (Foto: Leonardo Contursi/CMPA)
A democracia está à beira de um ataque de nervos por conta de grandes ameaças que a corroem, e a luta para fortalecê-la passa, necessariamente, por uma profunda reforma política e pelo combate à supremacia do capital sobre o Estado. As ideias são do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, que, na manhã desta quarta-feira (20/1), participou do debate A Crise de Representatividade e as Novas Formas de Participação. A atividade do Fórum Social Mundial Temático promovida pela Rede Brasileira de Orçamento Participativo (OP) foi realizada no Plenário Otávio Rocha da Câmara Municipal de Porto Alegre. 

Após a palestra de Boaventura, debateram o tema o secretário estadual de Educação, Vieira da Cunha; a professora Ruth Needleman, da Universidade de Indiana (EUA); e o ex-governador Tarso Genro. O prefeito de Canoas, Jairo Jorge, e o vice-prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, participaram da mesa do debate, conduzido pelo presidente da Câmara, vereador Cassio Trogildo (PTB), e pelo vereador Engenheiro Comassetto (PT). O vereador Alberto Kopittke (PT) também esteve presente no evento.

Ameaças 

Boaventura disse que a crise é o momento exato para avaliar como as deficiências da democracia podem ser superadas. O sociólogo lembrou que, há 15 anos, quando o primeiro Fórum Social Mundial foi realizado, em Porto Alegre, o contexto era diferente: “Estávamos com expectativas altamente positivas para o socialismo, em meio a movimentos populares ofensivos para aprofundar a justiça social, cultural e econômica. Era o início de uma década brilhante. Hoje as expectativas são baixas. Estamos em um período de lutas defensivas. Muitos movimentos agora lutam para não perderem os direitos. E essa mudança foi muito rápida." 

Para o professor, há sete grandes ameaças à democracia, que são antigas, mas atualmente se articulam. São elas: a desfiguração do Estado pelo neoliberalismo; o esvaziamento do socialismo, que perdeu a luta contra o capitalismo - sem função social; a destruição da natureza, que “pode levar a uma situação de insustentabilidade da vida”; a desvalorização do trabalho, hoje tratado como mercadoria; a mercantilização das universidades; a recolonização, que envolve racismo e xenofobia, assim como a violência contra populações; e, por fim, a criminalização dos protestos sociais. Segundo Boaventura, mais leis estão surgindo para tornar as manifestações cada vez mais difíceis.

Desgaste

Segundo o sociólogo português, outra importante causa do enfraquecimento da democracia é o desgaste da política e a influência do capital sobre ela. “Os empresários querem transformar os políticos em seus agentes. Na Argentina, por exemplo, muitos ministros vêm do mercado financeiro. O capital quer controlar diretamente as instâncias políticas. Por isso, a democracia está à beira de um ataque de nervos”, afirmou. “Há também os golpes parlamentares. O pedido de impeachment de Dilma Rousseff é um golpe.”

Em meio às ameaças, há uma grande crise de representatividade, analisa Boaventura. “E como vamos atacar isso para radicalizar a democracia?”, indagou. A seu ver, há tarefas primordiais, que envolvem a Constituição. “É preciso uma profunda reforma política, que exige uma Assembleia Constituinte originária. Isso porque os parlamentos existentes serão os primeiros a boicotarem a reforma”, declarou. “É preciso constitucionalizar os direitos fundamentais de modo a blindá-los. Se não houver dinheiro para a saúde, não podemos permitir a compra de mais submarinos e material bélico.” A reforma política, como frisou, precisa incluir os partidos. “Temos que começar dentro dos partidos. Há oligarquias dentro das legendas.” 

Boaventura ainda defendeu "um certo controle” sobre a mídia, para evitar a difusão sem contraponto de ideias "que acabam tornando os ricos cada vez mais ricos". Salientou, porém, que essa regulação não pode ser reacionária, como ocorre na Polônia, mas sim no sentido de dar oportunidade de diversidade de opinião pública. “Não devemos limitar opiniões, mas ampliar o número de opiniões divulgadas, em todos os espaços. Isso é fundamental para vencer a luta pela democracia, que nunca será fácil.”

Debatedores

REFORMA - O secretário estadual de Educação, Vieira da Cunha, concordou com Boaventura sobre a necessidade de uma real reforma política para fortalecer a democracia. “Infelizmente, não foi o que assistimos em nosso país. Houve perfumarias e retrocessos, como o fim da fidelidade partidária, por exemplo.” Para ele, é preciso também acabar com a influência do poder econômico, o jogo de interesses e as oligarquias partidárias.

EUA - Ruth Needleman, professora da Universidade de Indiana (EUA), pediu desculpas pelo comportamento de seu país. “Sem dúvida, a vida de todo mundo é empatada pelo imperialismo dos EUA”, disse. Ela contou que trabalhou com Salvador Allende no Chile, em 1972, quando havia participação popular, e testemunhou o golpe militar que o derrubou, com a ajuda dos EUA. Lamentou ainda que, em seu país, haja grandes índices de desemprego, discriminação contra negros e estrangeiros, que mesmo o Partido Democrata seja neoliberal - incluindo o presidente Obama - e que os protestos sejam criminalizados. Ruth ainda elogiou o trabalho de participação popular em Canoas (RS): “Uma grande inspiração para mim e toda a América Latina”.

BLOQUEIO – O ex-governador Tarso Genro disse que a crise de representação deriva da supremacia do grande capital sobre o funcionamento do Estado, mas também da fórmula tradicional adotada pelos partidos políticos. “Esta fórmula de partido verticalizada está esgotada, pois ele perde a relação criativa com sua militância e com suas bases e se burocratiza. É preciso uma grande orientação estratégica para resgatar suas origens. Há uma flagrante necessidade de reforma política”, afirmou. “As lutas democráticas hoje são necessariamente contra o capitalismo selvagem, e a grande mídia é o centro de inteligência dos seus valores, com o ataque sistemático à política em geral.” Para Tarso, a destruição da esfera política deixa o espaço livre para a influência do capital financeiro sobre o Estado e contra a democracia. 

PARTICIPATIVO - O prefeito de Canoas, Jairo Jorge, coordenador da Rede Brasileira de Orçamento Participativo (OP), saudou os debatedores e a Câmara por sediar atividades do Fórum Social Mundial Temático. Informou que a Rede Brasileira congrega 60 cidades do Brasil. Na sua opinião, é preciso radicalizar a democracia. “Temos de reafirmar o OP e outras formas de participação popular”, afirmou, propondo que as pessoas reflitam sobre a situação da democracia, prejudicada pela lógica do mercado.

Programação

A programação do Fórum Social Temático na Câmara continua às 18 horas desta quarta-feira:

Quarta-feira (20/1)

- 18 horas - Debate A Luta do Povo Curdo e a Revolução das Mulheres. Com Melike Yasar, do Movimento de Mulheres Livres do Curdistão; Juliano Medeiros, dirigente nacional do PSOL e da Fundação Lauro Campos; vereadora Fernanda Melchionna (PSOL). 
Local: Auditório Ana Terra

Quinta-feira (21/1)

9 horas - Troca de Experiências de Participação Popular: Relatos das Cidades. Com Gustavo Vidigal, da Prefeitura de São Paulo; Cidade de Córdoba (Argentina); Leonardo Bulhões, secretário de Participação Social de Caruaru (PE); Luti Guedes, do Laboratório de Participação Social do Rio de Janeiro; Prefeita de Ipatinga OP Criança (MG); Tarcisio Zimmermann, ex-prefeito de Novo Hamburgo e deputado estadual pelo PT. Rede Brasileira de Orçamento Participativo (OP).
Local: Plenário Otávio Rocha
10h30min - Experiências Inovadoras e Processos Democráticos em Governos e a Democracia.Com Olívio Dutra, ex- governador do RS; Jairo Jorge, coordenador da Rede Brasileira do OP e Prefeito de Canoas; José Fortunati, prefeito de Porto Alegre; Podemos da Espanha;Juliano Roso, deputado estadual pelo PCdoB. Rede Brasileira de Orçamento Participativo.
Local: Plenário Otávio Rocha
- 11 horas - Os Povos Tradicionais e o Estatuto das Cidades. Com Chico Britto, prefeito de Embu das Artes (SP); representações do povo indígena, do povo tradicional de matriz africana e do povo cigano; Engenheiro Comassetto, vereador de Porto Alegre pelo PT e conselheiro Nacional das Cidades; Frente Parlamentar de Povos Tradicionais de Matriz Africana da Câmara Municipal de Porto Alegre. Frente Nacional de Vereadores pela Reforma Urbana.
Local: Auditório Ana Terra
- 13h30min - Conexão Hip Hop. Fórum Permanente do Hip Hop.
Local: Teatro Glênio Peres
- 14 horas - Mundo do Trabalho: Ajuste Fiscal, Crise e Desemprego. Força Sindical.
Local: Sala 302
- 18 horas - Entrega do 1º Prêmio de Boas Práticas de Orçamento Participativo. Rede Brasileira de Orçamento Participativo.
Local: Auditório Ana Terra

Sexta-feira (22/1)

- 9 horas - A Experiência dos Parlamentos Metropolitanos para o Aprofundamento da Democracia e Assinatura de Compromisso dos Parlamentos Metropolitanos com o Programa Cidades Sustentáveis. Parlamento Metropolitano.
Local: Auditório Ana Terra
- 9 horas - Participação Social e Cultura Digital: Pensar a Articulação da Cultura Consolidada à Emergente. Com Renato Simões, assessor especial SGOV; Maria do Socorro, do Conselho Nacional de Saúde; Mãe Beth de Oxum, do Conselho Nacional de Política Cultural; Gabriel Medina, secretário nacional de Juventude do governo federal; Edegar Pretto, deputado estadual do PT. Rede Brasileira de Orçamento Participativo.
Local: Salas 301/303
- 10h30min - Políticas de Participação Social e Digital: do Contexto Local aos Governos Nacionais- Jairo Jorge, prefeito de Canoas; Ricardo Berzoini; ministro da Secretaria de Governo Federal; Flávio Dino, governador do Maranhão; Pablo Soto, do Podemos, de Madri; Leonardo Avritzer (UFMG). Rede Brasileira de Orçamento Participativo.
Local: Plenário Otávio Rocha
- 11h30min - Rede Social Brasileira por Cidades Justas, Democráticas e Sustentáveis e o Monitoramento da Gestão Pública - O que o Orçamento tem a ver com Direito à Cidade e o Monitoramento do Plano de Metas.
Local: Auditório Ana Terra
- 13h30min - Conexão Hip Hop. Fórum Permanente do Hip Hop.
Local: Teatro Glênio Peres
- 14 horas - Painel sobre o Fórum Estadual de Cultura Afrobrasileira e Movimento Negro. Fundação Cultural Palmares.
Local: Auditório Ana Terra
- 14 horas - A Juventude na Disputa das Ruas e das Redes. Juventude PT/RS.
Local: Salas 301/303

Sábado (23/1)

- 16 horas - Reunião Acampamento da Juventude.
Local: Salas 301/303

Texto: Claudete Barcellos (reg. prof. 6481)
Edição: Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)