Audiência Pública debate proposta de alterações no Dmae
A Câmara Municipal de Porto Alegre realizou Audiência Pública virtual na manhã desta segunda-feira (20/1) para debater projeto de lei do Executivo que propõe alterações no Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae). Pela proposta, o conselho vinculado ao órgão deixa de ser deliberativo e passa a ser consultivo. O encontro foi conduzido pela presidente do Legislativo, vereadora Comandante Nádia (PL).
Para a Prefeitura, o projeto apresentado tem como objetivo melhorar o serviço prestado pelo Dmae. “As mudanças, ainda que administrativas, têm efeito no atendimento ao cidadão”, afirmou o secretário-geral do governo municipal, André Coronel. A transformação do caráter do conselho, de deliberativo para consultivo, tem por finalidade acelerar o processo decisório dentro da autarquia, segundo o Executivo. “Temos a convicção de realizar a concessão do Dmae. Estamos aprofundando ao máximo este tema. Por enquanto, não se trata de um projeto de concessão, mas apenas mudanças administrativas”, afirmou o secretário.
Para Darcy Nunes, atual diretor-presidente do Dmae, as atribuições que o conselho deliberativo do Dmae possui atualmente estão em desacordo com as formas modernas de gestão, o que leva a empecilhos na administração da autarquia. “São mudanças técnicas”, disse. Os representantes do Executivo afirmaram ainda que, apesar das mudanças no caráter do conselho, o controle social será mantido. Com esta transformação, decisões que antes eram tomadas pelo conselho, como plano de obras, tabela de tarifas, propostas orçamentárias, operações financeiras, concorrência pública, convênios e contratos, ficarão sob responsabilidade dos Poderes Executivo e Legislativo do município, defenderam os representantes da Prefeitura.
Em resposta, o diretor do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), Edson Zomar, se posicionou contra a aprovação do projeto de lei pois, segundo ele, este é um processo que vai na contramão das formas de gestão de outros países, em que experiências como essa foram tentadas no passado e não obtiveram sucesso. "Este projeto de lei não possui a abrangência e o foco que entendemos serem necessários para a gestão de um serviço público". Em relação ao momento em que o projeto foi apresentado, disse que "algo que é bom para a cidade e para os servidores, algo que significa governança para Porto Alegre, não precisa ser feito às pressas, de forma não transparente, de forma açodada, limitando muito a participação dos servidores e da sociedade civil".
Zomar também enfatizou que "o Dmae precisa de autonomia administrativa e de uma gestão voltada para o interesse coletivo da cidade, especialmente para as parcelas mais carentes da população". Ele apontou que a falta dessa autonomia comprometeria a capacidade de o Departamento atender de modo eficaz aos desafios e demandas da cidade, em especial aos segmentos mais vulneráveis da população.
Favoráveis ao projeto
O vereador Coronel Ustra (PL) argumentou que o município deve se adequar ao Marco Legal do Saneamento Básico, estabelecido por lei federal. Também disse que a iniciativa deve melhorar a gestão do Dmae. A vereadora Cláudia Araújo (PSD) defendeu o projeto e a atual gestão do governo municipal no âmbito do saneamento básico. “Eu não ouço falarem sobre as melhorias que foram feitas na gestão Sebastião Melo, como a água que foi para o Morro da Cruz e beneficiou milhares de famílias”. Para a vereadora, a mudança do conselho é essencial para “desburocratizar” a administração da autarquia.
Mariana Lescano (PP) destacou que a audiência pública foi realizada para garantir a participação popular, mas ressaltou que a demora na votação do projeto impede o avanço das soluções necessárias para a população: “Quero deixar claro que não estamos falando da concessão do Dmae nesta audiência pública. Essa demora faz com que, mais uma vez, a máquina pública fique parada e não consiga agilizar as soluções que a população porto-alegrense necessita. Já poderíamos ter votado o projeto.”
Júlia Tavares afirmou que a atual estrutura do Dmae é defasada: “Precisamos de um Dmae mais competitivo, com mais parcerias com o setor privado, mais moderno e com mais autonomia”. Para ela, as manifestações contrárias ao projeto têm origem em "demandas sindicais” e não consideram a necessidade de “modernização da entidade”.
Contrários à proposta
A servidora do Dmae Luciana Moura questionou a forma como o projeto está sendo tratado e a falta de diálogo com a população e os servidores. "Quando se diz que o Dmae está parado devido a algum problema, é porque o Dmae não tem mais autonomia desde 2017. E por que essa pressa em aprovar este projeto? Ele foi colocado em votação no dia 6 de janeiro, quando os vereadores ainda estavam em recesso, sem conversar com a sociedade, sem conversar com os servidores, sem nada", criticou.
Jonas Reis (PT) caracterizou o governo como autoritário. Para ele, a intenção da Prefeitura é privatizar o Dmae, o que deve ter impactos negativos na prestação do serviço, o que já se observa com “a precarização proposital” da autarquia, conforme o vereador. Segundo ele, existe um descompasso em relação a outras experiências internacionais, em que há um processo de reversão das privatizações feitas na área de saneamento. O parlamentar também criticou a extinção do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP).
Membro do conselho fiscal do Departamento Municipal de Previdência dos Servidores Públicos do Município de Porto Alegre (Previmpa), Everton Luís da Silva disse que a discussão em torno do tema precisa ser mais construtiva e que não faz sentido manter o foco em pontos pouco produtivos: “Temos melhorias a propor, vamos debater sobre isso. Não é porque me coloco contra o projeto que a gente não possa procurar uma solução". Ele criticou o momento de apresentação da proposta, no início do ano, e cobrou que a iniciativa seja debatida com mais participação popular: "Temos agora 289 participantes. Isso não representa uma cidade com quase 1,4 milhão de habitantes. Vamos tomar decisões com base na opinião de menos de 300 pessoas? Isso é um absurdo".
O vereador Erick Dênil (PCdoB) criticou o formato de discussão on-line, por considerar um dificultador do debate público. “Existe um interesse da Prefeitura de Porto Alegre de vender esta empresa pública que gera lucro para os cofres públicos”, afirmou. Argumentou que o Dmae é superavitário e que este dinheiro poderia ser utilizado na prevenção contra enchentes. Para o vereador, caso ocorra a privatização, haverá uma piora na qualidade da água.
Alexandre Dias afirmou que o diretor do Dmae, Darcy Nunes, transfere responsabilidades de forma injusta ao conselho e "comete uma desonestidade intelectual" ao relacionar os problemas das enchentes à atuação do conselho. "Em setembro e novembro de 2023, tivemos as cheias, e ali foram apontadas várias situações que deveriam ser encaminhadas pela direção do Dmae e pelo governo municipal para que se evitasse uma situação como a que nós tivemos em maio de 2024. O Dmae não encaminhou e tinha recursos em caixa. Podia ter feito, mas não fez. E agora o diretor quer jogar essa responsabilidade para cima do conselho", criticou.
Maria Elaine Silva, delegada do Orçamento Participativo, defendeu a participação cidadã nas discussões sobre a gestão do Dmae, ressaltando tanto a importância da autarquia quanto o esforço de seus funcionários. “A população não pode ser só uma espectadora, ainda mais de uma autarquia muito importante. O pessoal que está trabalhando no Dmae está fazendo milagre com a estrutura que eles têm hoje".
Felisberto Seabra, conselheiro municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental da Região de Planejamento 1, relembrou a importância do antigo conselho de usuários do Dmae para a participação pública na gestão da entidade e denunciou o que entende como subordinação do governo aos interesses privados de uma minoria sobre o interesse público da maioria da população. “Hoje nós temos recursos da reconstrução da cidade que vão para entes privados e não para o público. É importante que a população tenha a noção de que privatizar não é a solução”. Também defendeu que os recursos públicos fiquem sob domínio público.
Adriano Fenheimer afirmou que há uma leitura equivocada do Novo Marco Legal do Saneamento Básico. “Em 2007, já havia a possibilidade de participação de entidades não deliberativas e com a alteração do novo Marco Legal, que passou as atribuições para a Agência Nacional de Águas, foi colocado no texto a participação do Conselho Nacional de Recursos Hídricos e isso causou essa grande confusão. Portanto, a análise e a justificativa do projeto estão completamente equivocadas.”
O servidor do Dmae Jefferson Machado argumentou que o Departamento já está modernizado em termos tecnológicos, mas precisa de uma administração que olhe para os funcionários. "O Dmae já vem se modernizando há muito tempo, e trabalha hoje com automação. O que nós precisamos é de uma modernização administrativa". Afirmou que "políticas de sucateamento" provocaram a aposentadoria de muitos profissionais, o que fez com que o Departamento perdesse a "expertise do negócio".
Ex-diretor do Dmae e ex-vereador de Porto Alegre pelo PT, Guilherme Barbosa relembrou o histórico de desenvolvimento do saneamento básico na Capital, o qual era exercido pela iniciativa privada antes da criação do Dmae. Denunciou que existe uma política de desinvestimento para justificar a privatização da autarquia: “Em 30 de abril do ano passado, havia aplicação financeira pelo Departamento de quase R$ 500 milhões, enquanto estava faltando água em vários bairros da cidade e havia necessidade de se fazer a manutenção do sistema de proteção contra os alagamentos. Então, há uma política pensada para desestruturar o órgão”.