Sessão Solene

Lauro Hagemann: “Nunca transigi com a iniquidade”

Na tribuna o homenageado lembrou passagem pela Câmara Municipal Foto: Elson Sempé Pedroso
Na tribuna o homenageado lembrou passagem pela Câmara Municipal Foto: Elson Sempé Pedroso

A Câmara Municipal outorgou, nesta terça-feira (22/6) à tarde, o título de Cidadão de Porto Alegre ao ex-deputado gaúcho e ex-vereador de Porto Alegre, jornalista Lauro Hagemann. Em sessão coordenada pelo presidente da Casa, vereador Nelcir Tessaro (PTB), no Plenário Otávio Rocha, Hagemann foi homenageado pela sua trajetória profissional e política ao longo de seus 80 anos de vida.

Lembrando que está há mais de 60 anos em Porto Alegre, Lauro Hagemann fez uma declaração de amor à capital gaúcha: "Porto Alegre, cidade dos meus encantos e cidade dos meus amores. Devo muito a essa cidade. Aqui compartilhei momentos inesquecíveis da minha vida. Foi onde a cidadania aflorou e me tornei aquilo que sou hoje. Aqui vivi a maior parte da minha vida e aqui pretendo continuar vivendo o resto dela."

Sobre sua trajetória política e como profissional de radiojornalismo, Hagemann afirmou: "Nunca transigi com a iniquidade. Sempre combati aqueles que queriam se apoderar do mundo." Lembrando sua passagem como vereador da Câmara de Porto Alegre, onde se elegeu pela primeira vez em 1963, ressaltou que sua trajetória na Casa, "apesar de não ter sido muito longa", se caracterizou pela luta em favor dos despossuídos.

"Fui colega de figuras ilustres nesta Casa. Porto Alegre tem tudo para se tornar uma metrópole. Temos uma legislação sobre uso do solo urbano que é referência para outras cidades brasileiras.", disse o ex-vereador, lamentando que as instituições brasileiras estejam hoje "tão degradadas e tão mal afamadas".

Homem público

Afirmando não ter esquecido de sua terra natal, Santa Cruz do Sul, o radialista símbolo do Repórter Esso ressalvou: "Foi em Porto Alegre que me fiz gente". Comentando estar próximo de completar os 80 anos de idade, Hagemann fez questão de deixar uma mensagem de otimismo e perseverança: "Tenho ainda uma ânsia de vida muito grande. Não desanimo em continuar lutando por aquelas coisas que me parecem justas. Continuo lutando pela transformação da sociedade. Quero ser lembrado apenas pelo que me é mais caro: a retidão de caráter." Ao final da cerimônia, agradecendo a homenagem, Lauro Hagemann dedicou a festa à capital gaúcha, deixando evidente a sua vocação de homem público: "Por ideologia, sou avesso à propriedade. Não tenho predileção pelo que é meu e sim pelo que é nosso."

Proponente da homenagem, o vereador Airto Ferronato (PSB) destacou a importância de Hagemann para a cidade de Porto Alegre e para o Rio Grande do Sul. Lembrou o respeito que o então locutor do Repórter Esso, programa ouvido em todo o Estado, desfrutava entre o povo gaúcho nos anos 50 e 60. Comparando a trajetória de Lauro Hagemann ao ofício de um jardineiro, Ferronato afirmou que o homenageado "soube cuidar muito bem do seu jardim, por isso é merecedor desta homenagem da cidade de Porto Alegre". Também destacaram a trajetória de Hagemann na política e no jornalismo os vereadores João Dib (PP) e André Carus (PMDB) e o prefeito José Fortunati.

Trajetória

Nascido no dia 23 de julho de 1930, Lauro Hagemann é natural da cidade gaúcha de Santa Cruz do Sul. Descendente de alemães, a trajetória de Hagemann está marcada pelo radiojornalismo e pela política. O início da carreira de Hagemann começou em 1946 em sua cidade de origem. Depois de se aventurar com os colegas de escola no alto-falante da cidade, Hagemann foi convidado a trabalhar na recém inaugurada Rádio Santa Cruz. Em 1950, veio para Porto Alegre fazer o curso de Direito e, neste mesmo ano, foi convidado para integrar a Rádio Progresso de Novo Hamburgo, onde permaneceu por três meses. No dia 1º de junho de 1950, Lauro Hagemann saia de uma rádio do interior para estrear como Repórter Esso.

No ano de 1952, quando foi criada a Petrobras, Lauro Hagemann estava concluindo os estudos no Colégio Júlio de Castilhos, o Julinho, tradicional centro de agitação política em Porto Alegre. Logo a seguir, em 1955, já na segunda turma da Faculdade de Jornalismo da Universidade do Rio Grande do Sul, foi eleito presidente da União Estadual de Estudantes (UEE).

Dois fatos importantes marcaram a história nacional, de 1950 a 1964, durante o período em que permaneceu como Repórter Esso. Primeiro, o suicídio de Getúlio Vargas, que foi um dos motivos do incêndio da Rádio Farroupilha, em 1954. O outro acontecimento, a Cadeia da Legalidade, formada em 1961. Na época, a Rádio Guaíba cedeu equipamentos para a utilização na campanha que lutava pela posse de Jango na presidência. Os manifestos e as notícias eram transmitidos do porão do Palácio Piratini por funcionários e jornalistas do governo. Hagemann resolveu utilizar seu prestígio em nome da causa. No dia 27 de agosto, ele se apresentou no Palácio, dando início à Cadeia da Legalidade. A partir daí, colegas de outras emissoras que estavam sem trabalhar, pois todas as rádios permaneceram fora do ar, se integraram ao movimento. A Legalidade fez com que os profissionais percebessem a necessidade da categoria se manter unida.

Observando a mobilização da sociedade, obtida pela Cadeia da Legalidade, foi fundado o Sindicato dos Radialistas, em 1963. Hagemann foi eleito o primeiro presidente do Sindicato dos Radialistas, em virtude do trabalho desenvolvido em prol da categoria dos radialistas. Trabalho que, aliado a uma viagem à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o aproximou do então ilegal Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Em 1963, inscrito pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), que estava coligado com o Partido Republicano (PR), e juntos formavam a famosa Aliança Republicana Socialista, Hagemann foi candidato a vereador de Porto Alegre pela primeira vez, sendo eleito como suplente e assumindo o mandato mais tarde, em maio de 1964, em meio ao golpe militar. Dois anos depois, foi eleito deputado estadual pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), caminho natural da oposição no bipartidarismo imposto pelo novo regime. Suas ideias comunistas o fizeram ser cassado em 1969, por efeito do Ato Institucional nº 5 – AI5.

No mesmo ano, voltou ao radiojornalismo por meio da Rádio Guaíba. Além da Farroupilha e da Guaíba, trabalhou também na Rádio Pampa e na Rádio da Universidade, na qual ingressou em 1957, que resultou na criação do Departamento de Jornalismo, que exigia o diploma universitário para conceder o registro profissional. Já no fim da ditadura militar, presidiu o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Porto Alegre, de 1980 a 1982, ano em que é eleito vereador pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Após a legalização do PCB, em 1985, integrou a primeira bancada comunista da Câmara Municipal de Porto Alegre.

Como vereador de Porto Alegre, de 1983 a 2000, teve destacada atuação na área do urbanismo, dando grande contribuição ao aperfeiçoamento do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre – PDDUA –, sendo escolhido como Relator Sistematizador do PDDUA de 1999, inserindo, na legislação municipal, importantes instrumentos urbanísticos, dos quais se destacam o Banco da Terra, o Solo Criado, o IPTU Progressivo e a Concessão do Direito Real de Uso. Mais tarde, quando foi instituído o Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257, em 2001, alguns desses instrumentos foram aproveitados em nível nacional, demonstrando a importância e a primazia da legislação de Porto Alegre no cenário nacional.

Durante os anos de 1985 a 1991, integra o Diretório Nacional do PCB, disputando inclusive a presidência nacional do “Partidão”. Em 1991, participa do Congresso Extraordinário do PCB, onde o partido decide mudar seu nome para Partido Popular Socialista PPS –, optando por deixar a sigla em 2001. Em outubro de 2007, retorna ao PSB.

Hoje, Lauro Hagemann é uma referência ética para os radialistas e os jornalistas do Rio Grande do Sul. Em 2010, Hagemann completa 80 anos, ao longo dos quais, como presidente da União Estadual dos Estudantes/RS, fundador e primeiro presidente do Sindicato dos Radialistas do RS, presidente do Sindicato dos Jornalistas do RS, fundador da CUT e membro da sua primeira executiva, vereador em cinco mandatos na Câmara Municipal de Porto Alegre e deputado em um mandato na Assembleia Legislativa gaúcha, viveu intensamente, com plenitude, profissionalismo e doação às suas convicções.


Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)