Audiência pública

Manifestações contrárias à extinção de cobradores foram majoritárias

  • AUDIÊNCIA PÚBLICA COM O OBJETIVO DE DEBATER SOBRE O PROJETO DE LEI DO EXECUTIVO N° 016/21, QUE INSTITUI O PROGRAMA DE EXTINÇÃO GRADATIVA DA FUNÇÃO DE COBRADOR DE TRANSPORTE COLETIVO POR ÔNIBUS NO MUNÍCIPIO DE PORTO ALEGRE, DETERMINANDO A ADOÇÃO DE AÇÕES QUE VIABILIZEM A TRANSPOSIÇÃO DOS PROFISSIONAIS PARA OUTROS MERCADOS DE TRABALHO E REVOGA O § 4º DO ART. 1º DA LEI Nº 7.958, DE 8 DE JANEIRO DE 1997, E O § 2º DO ART. 34 DA LEI Nº 8.133, DE 12 DE JANEIRO DE 1998.
    Motorista Marcelo Weber destacou importância do cobrador para a eficiência do sistema (Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA)
  • AUDIÊNCIA PÚBLICA COM O OBJETIVO DE DEBATER SOBRE O PROJETO DE LEI DO EXECUTIVO N° 016/21, QUE INSTITUI O PROGRAMA DE EXTINÇÃO GRADATIVA DA FUNÇÃO DE COBRADOR DE TRANSPORTE COLETIVO POR ÔNIBUS NO MUNÍCIPIO DE PORTO ALEGRE, DETERMINANDO A ADOÇÃO DE AÇÕES QUE VIABILIZEM A TRANSPOSIÇÃO DOS PROFISSIONAIS PARA OUTROS MERCADOS DE TRABALHO E REVOGA O § 4º DO ART. 1º DA LEI Nº 7.958, DE 8 DE JANEIRO DE 1997, E O § 2º DO ART. 34 DA LEI Nº 8.133, DE 12 DE JANEIRO DE 1998.
    Sandro Abbade apelou para que prefeitura retire projeto e dialogue com rodoviários (Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA)

Trabalhadores das empresas de ônibus, sindicalistas e servidores municipais, especialmente da Companhia Carris, pressionaram o Legislativo na noite desta quinta-feira (19/8), durante a realização de Audiência Pública por videoconferência, para retirar de pauta e ampliar a discussão do Projeto de Lei do Executivo nº 016/21, que institui o Programa de Extinção Gradativa da Função de Cobrador de Transporte Coletivo por ônibus. A matéria altera a composição mínima da tripulação dos coletivos da capital gaúcha e ainda determina ações que viabilizem a transposição desses profissionais para outros mercados de trabalho.

Presidida pelo vereador Idenir Cecchim (MDB), a abertura dos trabalhos contou com a presença do prefeito Sebastião Melo, que destacou o momento especial para o diálogo, que segundo ele é uma marca do seu governo, "voltado para a construção de alternativas que melhorem a vida dos porto-alegrenses". O chefe do Executivo disse que o sistema de transporte coletivo já apresentava problemas que foram agravados pela pandemia, fruto de uma politica pública não adequada para a mobilidade urbana. Para Melo, é preciso ir além, debater novos modais, isenções, integração com a região metropolitana e outros tópicos que, em conjunto, podem qualificar o serviço, reduzir custos e o impacto no bolso dos usuários.

Projeto

O secretário municipal de Mobilidade Urbana, Luiz Fernando Záchia, deu início à sua fala destacando que o governo Melo tem se pautado pelo diálogo com a sociedade e com a Câmara Municipal e que a audiência pública faz parte dessa discussão. "Temos reflexões a fazer. Atualmente, são 2,6 mil cobradores no sistema de transporte de Porto Alegre. Até o projeto, que finda em janeiro de 2025, mil vão se aposentar. O projeto prevê que aposentadorias e demissões solicitadas não serão substituídas num processo que vai ano após ano, de forma tranquila e transparente, sendo formatada. Além disso, os trabalhadores serão qualificados para que sejam reaproveitados em outras atividades", explicou.

Segundo Záchia, apenas 15% dos ônibus circulando trabalham com dinheiro em espécie. O plano é que até o último semestre de 2024, o horário de pico terá cobradores. Com isso, o sistema já deve estar adaptado e as ferramentas funcionando. "A tendência mundial é a substituição da moeda por diversos recursos", completou. Nas considerações finais, o secretário agradeceu a participação de todos e comentou que a extinção dos cobradores representa uma economia de R$0,72 no preço da tarifa. "Entendemos que é uma matéria polêmica, mas que requer responsabilidade na sua função. É uma profissão em extinção.”

O presidente da EPTC, Paulo Ramires, complementou a fala do secretário e destacou que diferentes capitais e cidades vizinhas de Porto Alegre já trabalham mantendo o atendimento de forma qualificada. "Ao longo destes quatro anos, sem dúvida, serão qualificados os sistemas de transporte. Estamos trabalhando com planejamento para implementar todos os atributos que o transporte precisa e fazer essa transição", disse.

Discordância

Sandro Abbade, presidente do Sindicato dos Rodoviários, disse que colocar o projeto durante  a pandemia, com votações híbridas e ausência de público no plenário, é um ato covarde. Apelou ao prefeito e vereadores para que retirem a proposta e abram o debate com os rodoviários, “que não se negam a buscar pelo diálogo alternativas que não passem pela demissão de trabalhadores e a extinção da Carris”.

Sérgio Vieira, presidente da Associação Única dos Rodoviários Aposentados (Aura), questionou se uma audiência pública online irá resolver o problema da categoria ou influenciar o voto dos vereadores. Afirmou que conversou com o prefeito para lembrá-lo que o seu projeto de retirada dos carroceiros levou dez anos para entrar em vigor. Apelou para que as propostas sejam retiradas e o debate aprofundado, pois entende que nem os vereadores estão convencidos do seu voto, muitas vezes feito para acomodar decisões partidárias e apoiadores em cargos no governo.

Em resposta à afirmação do secretário Luiz Fernando Záchia, Vieira destacou que, nos 5.560 municípios brasileiros, apenas 63 não têm cobradores e que, em muitos desses, o sistema se iniciou assim ou a mudança foi precedida de um amplo debate. Para Vieira, caso aprovado o projeto, no dia seguinte os empresários vão começar a demitir porque estão focados em aumentar o lucro. “Um absurdo em um país com 15 milhões de desempregados.” Também lembrou que a Carris foi a primeira empresa do Brasil, “premiada e lucrativa”, e que isso acabou não por culpa dos trabalhadores, mas por má gestão. Afirmou que a prefeitura não irá conseguir privatizá-la porque não terão interessados, “pois as empresas querem receber as linhas transversais que são economicamente interessantes”. Falou das ações trabalhistas que correm no judiciário por má gestão e elogiou o trabalho do atual presidente da Carris que, segundo ele, tem condições de qualificar a administração da empresa.

Vereadores

Os parlamentares presentes e que se manifestaram foram unânimes contra à proposta do Executivo. Pedro Ruas (PSOL) disse que o projeto é desnecessário e cruel, pois ao estudar a situação, em outra oportunidade, descobriu como era realizado o cálculo para o aumento tarifário. "O eixo do aumento era o gasto com a chamada frota reserva, que sequer existia e era virtual. Não tem impacto na tarifa a questão dos cobradores. Haverá sim, com a aprovação, um processo demissional pesado."

Aldacir Oliboni (PT) disse que os eleitores do prefeito Sebastiao Melo devem estar decepcionados, “porque na disputa com o ex-prefeito Marchezan ele gravou vídeos nos quais disse que não privatizaria a Carris, não demitiria os cobradores”. Alertou que o governo não ouve a maioria e pediu a urgência para a votação, o que apressará ainda mais o processo. Sugeriu que, se o governo não retirar a matéria, que a Câmara o faça, porque não há estudo de impacto econômico e social e há parecer negativo da procuradoria da Casa. “Se eu fosse o sindicato entraria com ação amanhã”, disse. Por fim, destacou que as concessionárias, durante a pandemia, pegaram recursos do governo e, em troca, devolveram 23 linhas que foram assumidas pela Carris.

Karen Santos (PSOL) afirmou que “infelizmente, quem decide são os que não utilizam o transporte público”. Cobrou o retorno das linhas e horários que foram retirados no auge da pandemia, devido à liberação das atividades e o aumento da circulação das pessoas que se aglomeram para ir e retornar ao trabalho. A vereadora citou ainda investigações em curso no Ministério Público de Contas, relatórios que estão em análise por uma Comissão Especial no Legislativo, que deveriam ser alvo de discussão no governo, que apontam o não repasse de R$ 70 milhões referente a percentual aplicado na passagem, cuja gestão deveria ser pública e não foi entregue pelas empresas, e ainda recursos públicos pagos a uma consultoria privada pela gestão anterior e cujo relatório não foi entregue.

Bruna Rodrigues (PCdoB) comentou que o transporte público já é um tema debatido em diferentes gestões e que há um sucateamento ao longo dos anos. "Durante muito tempo fui usuária e sempre fiz a reflexão que parte dos gestores não utilizam o transporte público e falam de um olhar muito distante da realidade." A vereadora disse ainda que não teve acesso a nenhum estudo embasado afirmando que tal medida é necessária. "Não é natural a transição de profissão, falta empresa e estamos numa crise econômica. A que preço o governo municipal vai fazer caixa? Com essa medida, vamos eliminar o transporte coletivo, pois vai ficar inseguro, caro e sucateado", completou, indagando se a audiência seria apenas um rito ou uma discussão real.

Fran Rodrigues (PSOL) falou em nome do colega de Roberto Robaina que está em licença médica. Disse que é usuária do sistema, “cada vez mais precarizado e lotado”. Disse que participou de reunião com o vice-prefeito, no Paço, e ele não conseguiu dialogar com os trabalhadores, e sugeriu pesquisa com quem utiliza o transporte coletivo sobre a importância da função do cobrador e que os vereadores experimentem o transporte para Belém Velho e Restinga em horários de pico para verificarem que “é inviável sem a presença dos cobradores”.

Críticas

"Dizer que o cobrador só serve para receber a passagem é não saber a responsabilidade social que o cobrador cumpre junto com o motorista. Não dá para dizer que esse debate está sendo feito de uma forma transparente", afirmou o delegado sindical da Carris, Afonso Martins. Disse ainda que a desinformação permeia entre os debates e que administrações anteriores levaram a Carris ao atual colapso.

"É um crime o que estão fazendo em Porto Alegre. Imagine cobrar e dirigir, quanto tempo isso vai aumentar em uma viagem que já é ruim", destacou Pedro Dias, que falou pela União das Associações de Moradores de Porto Alegre (Uampa). Para ele, "quem fez o projeto não tem noção da cidade". Ele lembrou que "em todo mundo", existe financiamento público da passagem. "O Estado foi feito para isso." E que a movimentação do sistema pelo usuário faz a economia girar. "Esse projeto, em tempo de pandemia, tinha que ir para a geladeira", finalizou, criticando, ainda, a tentativa de venda da Carris, "uma emprsa centenária, fundada por Dom Pedro II, já premiada como a melhor do Brasil entre (empresas) públicas e privadas."

O temor pela demissão compôs a fala do rodoviário Maximiliano da Rocha, que disse acreditar que os empresários não irão esperar todo o período para demitir os trabalhadores. "Estão acabando com mais de 2.600 vagas de emprego, tudo em nome e em defesa do lucro. Estamos mobilizados para que o projeto não passe. Todos aqui sabemos o porquê existem cobradores."

Marcelo Weber, motorista há 15 anos da linha T12 falou da importância do cobrador para a eficiência do sistema. Que é complicado para o motorista fazer uma viagem de 1h15min, com uma média de 180 passageiros, sem cobrador. “Quem será o responsável por subir cadeirantes, idosos, informar onde o passageiro deve descer e cuidar do caixa, pois mesmo com as novas tecnologias sempre terá quem vai pagar com dinheiro”, justificou, ao lembrar que isso fará o tempo de viagem aumentar ainda mais, resultando em prejuízo ao sistema e aos usuários. Finalizou com o temor das demissões, que, mesmo sem a lei, já estão acontecendo. E apelou por um debate aberto com a categoria. “Vamos abrir a Casa, todos os rodoviários são vacinados, vamos deixar os rodoviários debaterem soluções que não passem por demissões e o fim da Carris.”

Encaminhamentos

Feita a Audiência Pública, o projeto cumpre pré-requisito indispensável para continuar tramitando e ir a plenário, onde será apreciado pelos vereadores, que poderão aprová-lo ou não. A matéria se encontra na Comissão de Constituição e Justiça para receber parecer e ainda deve passar pelas comissões de Economia, Finanças, Orçamento e Mercosul (Cefor), Urbanismo, Transporte e Habitação (Cuthab), Educação, Cultura, Esportes e Juventude (Cece) e Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Pública (Cedecondh). Após, a proposta estará apta para ingressar na Ordem do Dia. Participaram, ainda, da Audiência Pública, os vereadores Airto Ferronato (PSB), Cláudio Janta (SD), Lourdes Sprenger (MDB) e José Freitas (Republicanos), além do titular da Secretária de Governança Local e Coordenação Política, Cassio Trogildo.

Saiba mais:

Projeto prevê extinção de cobradores os ônibus da capital até 2026

Texto

Milton Gerson (reg.prof. 6539)
Grazielle Araujo (reg.prof.12855)

Edição

Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)

Tópicos:audiência públicaCarriscobradores