Direitos Humanos

“Não haverá higienização em Porto Alegre”, garante diretor da Fasc

Moradores de rua lotaram o Auditório Ana Terra, na Câmara Municipal Foto: Francielle Caetano
Moradores de rua lotaram o Auditório Ana Terra, na Câmara Municipal Foto: Francielle Caetano (Foto: Francielle Caetano/CMPA)
O Seminário sobre População em Situação de Rua e Sua Interface com a Segurança Pública em Tempos de Copa do Mundo, realizado pela Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh) aconteceu em meio a reivindicações dos moradores de rua presentes ao Auditório Ana Terra, onde foi realizada a reunião. Uma das grandes preocupações de quem só tem a rua como moradia são as consequências que a Copa pode trazer. Entre elas, a higienização, que significaria “limpar” a cidade de pessoas que estão morando nas ruas colocando-as, segundo os presentes, em um galpão. “Nós não vamos aceitar uma cidade para inglês ver”, garantiu a vereadora Fernanda Melchionna (PSOL). Em resposta, o diretor da Fasc, Marcelo Soares, afirmou que não haverá higienização na Capital. “A Fasc tem uma missão com as pessoas em situação de vulnerabilidade, isto que estão dizendo não irá acontecer.”, ressaltou.

A representante do Ministério Público, Liliane Pastoriz, afirmou que a campanha nacional “O Ministério Público em Defesa da População em Situação de Rua” tratará sobre as intervenções que podem e já estão ocorrendo em cidades-sede da Copa. “Mas não vamos nos restringir à Copa, a ideia é que o Ministério Público realize ações estratégicas para defender a população em situação de rua.”

No entanto, Liliane também destacou que, em Porto Alegre, ainda há um grande caminho a percorrer. “A população em situação de rua é tratada como se fosse invisível, são desapropriados de tudo”, disse. “Onde está o financiamento para incluí-los em programas como o Pronatec? A omissão é de todos, estamos parados, e vocês têm razão”, completou.

Fome de direitos

De acordo com a diretora técnica da Fasc, Marta Borba, são 1.133 moradores de rua cadastrados na Capital. Os problemas que mais demandam busca por acolhimento, diz Marta, são o abuso de substâncias psicoativas, ausência de recursos materiais e rompimento de vínculos com a família.

“A população de rua tem fome de direitos, de acesso aos serviços de qualidade e de atendimento à saúde”, destacou Richard Gomes, morador de rua e representante da categoria. Em sua fala, ele destacou a busca de direitos encabeçada pelo movimento nacional da população em situação de rua. “O movimento optou por transformar as queixas em luta”, disse. De acordo com ele, as reuniões tem como objetivo debater e buscar direitos. Gomes também denunciou diversos abusos por parte da Brigada Militar. “Qual é a diferença entre abuso de autoridade e excesso por parte dos brigadianos? Nós não vamos admitir que a Brigada Militar agrida a população de rua e saia dizendo que é caso isolado”, criticou.

Durante o seminário, muitos moradores de rua da Capital deram os seus depoimentos. Claudete afirmou que o número de albergues mostrados nos dados oficiais não condizem com a realidade. “Nós chegamos lá e não têm vagas.” Fátima disse que foi suspensa do Albergue Municipal por ter reclamado da comida. “Tô dormindo na rua há 8 meses. Minha suspensão era de apenas três meses. Não me deixam mais entrar. Até quando vai minha suspensão?”, questionou. “Eu vendia artesanato na frente da Igreja até que dois brigadianos me chamaram num canto e me espancaram, me bateram muito. Quebraram todos os meus artesanatos.”, relatou Diego, outro morador de rua, Ele conta que, ao tentar fazer a denúncia, foi avisado que poderia sofrer retaliações quando os brigadianos estivessem de folga.

Denúncias e Retaliações

Diante dos relatos, o subcomandante do 9 Batalhão da Brigada Militar, major Francisco Vieira, garantiu que possíveis agressões por parte de brigadiano não condizem com a orientação da BM. “Isso foi um erro. Mas não são todos assim: uma maioria paga por uma minoria”, afirmou. “A denúncia precisa chegar até nós para que haja punições”, destacou o major. De acordo com ele, a falta de preparo e o pouco tempo de ação de alguns brigadianos também é responsável pelas práticas. “Eu tenho 28 anos de Brigada, existem policiais nas ruas que estão lá há um ano.” O major também afirmou que o tempo de preparação dos policiais é de cerca de seis meses.

As entidades presentes fizeram um apelo para que as pessoas denunciem quando tiverem seus direitos ameaçados. “Nós dependemos do acesso das pessoas à Defensoria Pública”, destacou Alessandra Dines, representante do órgão estadual. De acordo com ela, a Defensoria tem feito atendimento diário em defesa da população de rua, não necessitando enfrentar em filas para ser atendido quando a pessoa se apresenta como morador de rua. “O nosso Centro de Referência em Direitos Humanos trabalha com violência contra a mulher e com violência estatal, que também se refere à violência policial. Mas é preciso haver denúncia, temos pouca procura.”, destacou.

Para o morador de rua Richard Gomes, o motivo das poucas denúncias é evidente: “Muitos dos que estão aqui presentes (no seminário) moram nas ruas e têm medo das retaliações que podem vir a acontecer”.

Encaminhamentos

No final do seminário, o presidente da Cedecondh, Alberto Koppitke (PT) destacou a necessidade de haver a qualificação permanente da Brigada Militar, Polícia Civil e Guarda Municipal. Também defendeu a criação de um indicador sobre os óbitos da população moradora de rua e o desenvolvimento de cursos que gerem melhores oportunidades, bem como a elaboração de uma pesquisa a respeito de ligações telefônicas feitas à Policia Civil e à Guarda Municipal solicitando a remoção de moradores de rua. Segundo ele, a Cedecondh deverá agendar uma visita, nos próximos dias, aos equipamentos da Fasc. Kopittke também sugeriu a criação de uma comissão permanente, com reuniões semanais, para tratar do tema, e, como medida urgente, colocou a Cedecondh á disposição para o recebimento de outras denúncias. “Hoje a tarde estaremos na sala da comissão para tratar dessa situação”, afirmou.

Para Fernanda Melchionna, é importante que se trate dos casos específicos de violação dos direitos. “Faremos coleta de depoimentos individuais dos casos de violência”, afirmou. A vereadora sugeriu que a Câmara Municipal também registre casos que possam acontecer na Copa e analise o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) sobre o Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndio (PPCI) dos albergues municipais, bem como ajude na proteção aos direitos da população de rua.

Também estiveram presentes ao seminário os vereadores Mário Fraga (PDT), Mônica Leal (PP), João Carlos Nedel (PP), Marcelo Sgarbossa (PT), Alceu Brasinha (PTB) e Séfora Mota (PRB), além de representantes da Guarda Municipal, Polícia Civil e do Jornal Boca de Rua.

Texto: Thamiriz Amado (estagiária de jornalismo)
Edição: Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)