Painel retrata histórias de personagens invisíveis à sociedade
A literatura que retrata a vida de pessoas que vivem à margem da sociedade, muitas vezes em situações de risco, e seus dramas pessoais foram o tema central do painel A Palavra dos Invisíveis - Exclusão e Inclusão na Literatura. O debate, realizado no domingo (8/11) à tarde, fez parte da programação conjunta que a Câmara Municipal de Porto Alegre e a Associação Gaúcha de Escritores (Ages) estão promovendo no estande do Legislativo na Feira do Livro. Mediado pelo escritor Oscar Bessi, que também é colunista do Correio do Povo, o painel teve a participação da escritora Jézica Bruno e dos escritores Doralino da Rosa e Jeferson Tenório, que falaram sobre suas obras e o ofício de escrever.
Jézica Bruno, que também é jornalista do Correio do Povo, falou sobre seu livro-reportagem Heróis de sua própria história. Jézica escolheu sete personagens de uma série de perfis de pessoas que ela entrevistou entre moradores de rua de São Borja, durante seu trabalho de conclusão do curso de Jornalismo na Universidade Federal do Pampa (Unipampa). "Tentei desvendar e contar a história dessas pessoas de uma forma mais sensível. As histórias que estão escondidas são muito mais ricas do que apenas aquilo que as pessoas aparentam. Entre os personagens retratados por Jézica, está a de uma andarilha moradora de rua em São Borja, "a Maria, como era conhecida, que carregava o mundo dela nos ombros, em quatro sacos plásticos".
Jézica também conta a história de um menino pobre, criado na periferia da cidade, cujo sonho era pertencer ao Comando Vermelho, facção do tráfico de drogas no Rio de Janeiro. O menino acabou se mudando para Porto Alegre com a família e foi morar num dos morros da capital gaúcha, onde acabou se tornando o vigia de uma boca-de-fumo do tráfico de drogas. "Depois disso, ele voltou a São Borja, onde hoje trabalha como jardineiro, e mudou de vida." A escritora salienta que traçar esses perfis deve gerar uma reflexão na sociedade sobre a vida dessas pessoas. "Foi preciso entrar na vida delas, pessoas que viveram situações dramáticas."
Anjos de boné
Ex-conselheiro tutelar em Porto Alegre, Doralino Souza da Rosa é autor do livro Os anjos também usam boné, finalista do Prêmio Livro do Ano da Ages em 2015. Ele retrata, em 13 contos, histórias vividas por crianças e adolescentes em situação de risco, realidade com a qual Doralino teve oportunidade de conviver durante sete anos como conselheiro tutelar. No conto Sonho dos Anjos, por exemplo, o escritor conta a história de uma menina abusada pelo próprio pai. "Grávida do pai, a menina prefere enterrar a sua filha viva", relatou. O conto, vencedor em um concurso da Universidade Federal de Santa Maria, segundo o autor, causou grande desconforto entre parlamentares em cerimônia na Câmara Municipal daquela cidade.
Outro conto de Doralino mostra a história de duas crianças que, juntamente com a mãe, comemoram a morte do próprio pai, pois a família se sente aliviada e liberta a partir da nova situação. "São personagens esquecidos, invisíveis. Meu livro tem sido muito debatido nas escolas e gerado muito interesse entre os jovens", afirmou.
Beijo na Parede
Autor de O Beijo na Parede, Jeferson Tenório se definiu como "escritor negro, professor negro e que escreveu sobre um personagem negro". Em seu livro, conta a trajetória do menino João na fase entre os 10 e os 12 anos de idade. Assim como Tenório, o personagem também é carioca e se muda do Rio de Janeiro para Porto Alegre. Na capital gaúcha, João passa a residir nas proximidades das ruas Voluntários da Pátria e Farrapos, onde começa a conviver com prostitutas e pessoas que vivem à margem da sociedade. "Meu maior desafio foi o de sustentar a narrativa de um menino de 10 anos refletindo sobre a vida. O personagem vai jogando frases e pensamentos pueris e infantis durante a história. O livro teve bastante aceitação do público leitor, formado principalmente por adolescentes."
Vencedor da categoria Livro do Ano, em 2014, pelo Prêmio Ages, Tenório disse que O Beijo na Parede consegue tocar os adolescentes, "que muitas vezes são tidos como não capazes de se interessar pela leitura". Ressaltando que a literatura permite dar visibilidade a pessoas que estão invisíveis aos olhos da sociedade, o escritor é taxativo: "Literatura de qualidade é a literatura de contestação."
Texto: Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)
Edição: Claudete Barcellos (reg. prof. 6481)