Memória

Palestrantes acreditam na tese de assasinato de Jango

Antônio Ávila, Jair Krischke, Deraldo Goulart, Christopher Goulart e Carla Rodeghero. Foto: Maria Helena Sponchiado
Antônio Ávila, Jair Krischke, Deraldo Goulart, Christopher Goulart e Carla Rodeghero. Foto: Maria Helena Sponchiado

Quando o ex-presidente João Goulart morreu, em outubro de 1976,  autoridades ligadas à ditadura militar que o depôs não permitiram a necropsia do corpo, transferido do exílio argentino para São Borja, sua cidade natal. O episódio reforça a tese de que Jango não morreu de causas naturais, segundo Antônio Ávila, amigo e assessor do ex-presidente por 30 anos e palestrante no debate sobre o documentário Jango em 3 Atos (da TV Senado), realizado na tarde desta sexta-feira (11/9) na Câmara Municipal de Porto Alegre. Antoninho, como era chamado pelo ex-presidente, dividiu a mesa do encontro com o diretor do filme, Deraldo Goulart; Christopher Goulart, neto de Jango e conselheiro do Movimento de Direitos Humanos do RS (MDHRS) e do Instituto Presidente João Goulart; Jair Krischke, conselheiro do MDHRS; e Carla Simone Rodeghero, professora do curso de História da Ufrgs.

"Primeiro assisti a diversas proibições para levar o corpo de Jango por terra até São Borja, depois tentamos fazer a autópsia do presidente, como deveria ser; arrumamos até um legista", contou Antoninho. "Fomos até a sacristia da igreja onde estava o caixão para tentar tirar o corpo, mas fomos ameaçados de prisão pelo Exército." Conforme o amigo, João Goulart teve de ser sepultado às pressas, por exigência das autoridades e porque saíam resíduos de sangue do corpo. "Um ex-presidente foi enterrado de chinelos, calça de brim e camisa", lamentou. Segundo Antoninho, Jango foi o melhor ser humano que já exibiu a faixa presidencial. "Nasceu rico, mas pensava nos pobres; e caiu porque não conseguiu fazer o que o Brasil precisava", disse.

Documentarista da TV Senado e diretor de Jango em 3 Atos, o jornalista  Deraldo Goulart (que nao tem parentesco com o ex-presidente, apesar do mesmo sobrenome) conta que uma entrevista com o uruguaio Mario Barreiro, preso na Penitenciária de Charqueadas, tornou-se fundamental para revelar detalhes da chamada Operação Escorpião, que teria articulado a morte de Jango e de outros líderes políticos considerados de esquerda. Segundo Deraldo, conforme relatos de Barreiro, Jango teria sido envenenado com a substituição de remédios que tomava para o coração por comprimidos de cloreto de potássio. No debate, o jornalista também ressaltou a forte influência de Jango no exílio, que suscitou uma vigilância permanente de agentes da ditadura brasileira.

Para a professora Carla Rodeghero, o documentário é uma iniciativa corajosa, pois inova ao aprofundar a abordagem sobre o exílio e a morte de Jango, um período ainda bastante desconhecido. "Há indícios de que havia mesmo um esquema internacional para eliminar lideranças", afirmou. Conforme Carla, Jango era um dos alvos, pois começara a ser tachado de comunista ao propor as chamadas Reformas de Base, que promoveriam mudanças nas áreas rural, educacional, econômica e urbana e ampliariam direitos sociais. O golpe de 1964, que o depôs, foi o clímax da reação conservadora.

Christopher Goulart garantiu que seu avô nunca foi comunista. A informação, segundo ele, foi difundida pela ditadura militar como pretexto para denegrir a imagem de Jango e justificar o golpe, incutindo medo na população. "Isso é uma grande mentira", frisou. "Ele não era comunista; era um fazendeiro, que vivia do lucro, era católico, só que buscava um ajuste entre o capital e o trabalho." Christopher disse que, com o Instituto João Goulart, tem trabalhado incessantemente para resgatar a importância do ex-presidente e elucidar sua morte. "É uma vergonha que o Brasil não saiba até hoje como morreu um de seus presidentes", criticou. Para o neto, a história completa sobre a morte de Jango não vem à tona porque falta interesse do Estado brasileiro e estão vivos muitos envolvidos no caso - ligados ao governo Geisel, à CIA e aos serviços secretos do Brasil, do  Uruguai e da Argentina. 

Um dos mais respeitados militantes dos direitos humanos, Jair Krischke  elogiou o documentário, a iniciativa da Câmara de promover um debate sobre Jango e a presença de  estudantes e professores no encontro. Segundo ele, o ex-presidente foi derrotado por suas virtudes. "Do que ele pregava ainda carecemos", disse. Conforme Krischke, Jango estava à frente de seu tempo. Exemplo disso é o fato de que, já em sua época, percebia o valor do mercado chinês. "Hoje o mundo inteiro quer vender para a China", lembrou. O ativista também descartou o suposto comunismo de Jango. "As mesmas forças que o derrotaram agora chamam até o Barack Obama de comunista", declarou, aludindo à ativa participação dos EUA no Golpe de 1964.     

O debate foi mediado pelo coordenador do Memorial da Câmara, Jorge Barcellos. Além do público em geral, participaram do encontro professores e 22 alunos da 1ª série do Ensino Médio do Colégio Parobé. Deraldo Goulart, o diretor de Jango em 3 Atos, informou que há a intenção de disponibilizar o documentário na página da TV Senado.

Claudete Barcellos (reg. prof. 6481)

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