Pesquisadora defende educação democrática como prevenção à violência escolar
Reunião da Cece desta terça-feira lançou Protocolo de Prevenção à Violência nas Escolas
A transformação das instituições de ensino, a partir da percepção atual dos jovens, por educadores e gestores, aliados à priorização de investimentos e a criação de políticas públicas democráticas, dialogadas com todos os atores envolvidos, é o caminho para a redução da violência escolar. Esta é a opinião da socióloga Miriam Abramovay, convidada especial para o lançamento do Protocolo de Prevenção à Violência nas Escolas (Previne), que ocorreu na tarde desta terça-feira (26/11), durante evento da Comissão de Educação, Cultura, Esportes e Juventude (Cece) da Câmara Municipal de Porto Alegre.
Pesquisadora e professora da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), Miriam destacou que só a elaboração do documento não resolve o problema. “Não é mais possível pensar o jovem e as escolas com uma visão ultrapassada, do século XIX, quando eles estão conectados e o que mais querem é serem ouvidos”.
O Previne é resultado de uma iniciativa do vereador Mauro Zacher (PDT), a partir da indicação do sociólogo Marcos Rolim, para o debate da violência escolar. Chancelado pela Cece, o documento foi elaborado por grupo de trabalho técnico, com a participação de representantes de diversas instituições, como o Núcleo de Pesquisa em Psicanálise, Educação e Cultura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Nuppec/Ufrgs), Brigada Militar; Secretaria Estadual da Educação (Comissões Internas de Prevenção de Acidentes e Violência Escolar - Cipave) e o Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul.
Diagnósticos
De acordo com Miriam Abramovay, é preciso apostar na produção de diagnósticos por meio de pesquisas que busquem entender o que se passa com os jovens, assim como os reflexos das relações internas e externas à escola, que podem ser indutores de atitudes violentas no ambiente escolar. “As escolas devem ser um lugar de transmissão conhecimentos, valores e afetos, de mobilidade social, de socialização, de interação com pares e adultos significativos, como são os professores e onde exista espaço para o uso da palavra, que ensine a pensar, porque pensar surpreende, pensar é transgredir e é fundamental”, afirmou a socióloga.
Segundo ela, a escola deixou de ser um espaço protegido, tornou-se um local que reproduz as violências que acontecem na nossa sociedade a nível macro e, onde se fomenta e constrói múltiplos e variados tipos de violências que não surgem de repente. “É determinada pela estrutura da instituição, sua maneira de se organizar e não somente pelas pessoas, e a responsabilidade é coletiva”, lembrou.
A pesquisadora falou ainda que os fatores que mais influenciam negativamente no clima escolar, “dito pelos próprios alunos em pesquisas”, são a mudança constante ou a falta de professores; os problemas de infraestrutura; a maneira como os alunos se relacionam entre si e também com os professores e diretores; e a violência externa que afeta toda a comunidade escolar e induz a redução das notas dos alunos, frequência de alunos e professores, e provoca inclusive o fechamento de algumas escolas.
Currículo
Temas como racismo e diversidade, segundo Miriam Abramovay, devem constar no currículo escolar. “É preciso integrar esse tipo de debate para que a partir das suas discussões violências ligadas a eles sejam evitadas”, disse a socióloga, que defendeu ainda a participação dos jovens na política a partir da construção da cidadania no ambiente escolar como uma necessidade para a redução da violência.
Pesquisas recentes relatadas por Miriam apontam que a cada 1% a mais de jovens na escola, a taxa de homicídio cai em 2%, e que cada 10% a mais de gasto na educação resultaria em uma queda de outros 1% na taxa de homicídio. Ela afirmou igualmente que também o clima escolar e a convivência entre os estudantes e com seus professores são aspectos fundamentais para um bom desempenho escolar e para uma sensação de bem-estar na escola.
Rio Grande do Sul
Pesquisa do Anuário Brasileiro de Segurança, com base na Prova Brasil, demonstra que 1% dos professores e diretores das escolas estaduais gaúchas (8.054) afirmam já ter sido vítima de algum tipo de atentado às suas vidas. Outros 4,4% (36.053) relatam que já foram ameaçados por alunos. E 48,9% (36.056) apontam que já sofreram agressão física ou verbal de seus alunos. Também impressiona o dado apresentado de que 2,3% dos diretores (1.685) asseguram que alunos frequentaram a escola portando armas de fogo e 14,9 % dos diretores (10.984) relatam que alunos frequentaram a escola portando armas brancas.
Outro diagnóstico, esse elaborado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento BID), apresenta a escola como algo muito importante para a vida futura, segundo 86% dos entrevistados. Dos alunos pesquisados, 11% acham as aulas interessantes e 14% chatas, 52% afirmam ter amigos na escola. Sobre os professores, 21% relatam que os educadores conversam com os alunos, 17% que se sentem estimulados à participação, 14% reclamaram das faltas de professores, 10% que eles não sabem ensinar, 9% que os encorajam e apenas 8% são vistos como referência.
Atualização
Para o vereador Mauro Zacher, a apresentação do Protocolo não encerra o trabalho. “Ele deve ser permanentemente aprimorado. Precisa estar em constante atualização a partir das vivências que forem surgindo em cada processo de discussão que a partir de agora se iniciará”, destacou.
A apresentação do material aos governos municipal e estadual é um processo que será construído e a sua adoção depende do interesse dos gestores, disse Marcos Rolim. “O importante é que seja qual for a política pública implementada, que ela tenha uma medição de resultados para vermos se esse é o caminho correto”, sentenciou.
Também um projeto que integre o trabalho da Flacso e do Nuppec está em estudo. Segundo Miriam Abramovay, Porto Alegre pode ser a primeira cidade a adotar políticas públicas inovadoras em relação a mudança estrutural das escolas e da sua relação com os alunos. Para ela, é preciso urgência nessa mudança porque todos perdem com os efeitos de uma escola pouco atraente aos jovens. “Perdem os alunos, perdem os professores, pais, gestores e perde o Estado que sente os reflexos negativos na economia com a falta de cidadãos preparados e profissionalmente capacitados para contribuir no desenvolvimento do país”, sentenciou.
Presenças
A mesa dos trabalhos foi composta ainda, além de Zacher, que presidiu os trabalhos, de Miriam e Rolim, pela coordenadora do Nuppec/Ufrgs, Rose Gursky; pelo representante do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul, Milton Simas; pela representante da Secretaria Municipal da Educação Cláudia Amaral; pela defensora púbica Andréia Paz Rodrigues, do núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente; e por Ricardo Dorneles da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS). Os vereadores professor Alex (PSol), presidente da Cece; Cassiá Carpes (PP), vice-presidente; e Marcelo Sgarbossa (PT) também participaram da atividade que lotou o plenário Ana Terra.