Sirmar Antunes: Nasci bronzeado pelo sol da África
"Me sinto hoje como o filho que recebe elogio da mãe e sabe que esse elogio tem um porquê, mas tem também um ônus. Lembro o guri que fui no bairro Medianeira, correndo livre e chutando a bola, sonhando em ser artista e dizer coisas. Sempre gostei de aparecer, desde muito jovem; por isso, escolhi essa profissão de ator." Foi com estas palavras que o ator Sirmar Antunes iniciou, nesta terça-feira (25/9) à tarde, seu agradecimento durante a sessão solene em que a Câmara Municipal de Porto Alegre concedeu a ele o título de Cidadão Emérito da cidade.
O título foi entregue a Sirmar pelo proponente da homenagem, vereador Tarciso Flecha Negra (PSD), em sessão realizada no Plenário Otávio Rocha da Câmara. Presidida pelo vereador Bernardino Vendruscolo (PSD), o ato teve também as presenças do secretário estadual de Cultura, Luiz Antonio de Assis Brasil, do representante do Conselho de Cidadãos Honorários de Porto Alegre, Jorge Krieger de Melo, e do vereador Nelcir Tessaro (PSD), além de familiares e amigos do convidado.
Falando sobre o "maravilhoso ofício de ator", Sirmar fez uma reverência especial aos seus pais e lembrou seus primeiros passos em sala de aula. "Queria aparecer e questionar o que estava em volta. Vinha da Medianeira de bonde, orgulhoso de estar sozinho. Via as ruas da cidade e me imaginava um pouco dono delas."
O ator negro disse que, ainda muito cedo, percebeu que o seu sonho de ser artista seria muito difícil de ser realizado: "Me dei conta que havia nascido bronzeado pelo sol da África." Mas foi nesta época, contou Sirmar, que ele teve oportunidade de assistir ao também ator negro Sebastião Bernardes de Souza Prata, o Grande Otelo, nas telas do cinema. E Sirmar começou, então, a fazer teatro amador. "Minha avó se orgulhava em dizer que o neto fazia teatro amador. E eu sonhava alto. Queria fazer cinema para poder dizer coisas."
Ele lembrou que o pai, um estivador, queria que ele seguisse a carreira militar. E Sirmar se orgulha de ter realizado, por meio da arte, esse desejo: "No teatro, fui um militar da Marinha, vivendo o personagem João Cândido; fui militar do Exército no curta O Dia em Que Dorival Encarou a Guarda; e fui militar da Brigada em Neto Perde Sua Alma. Então, realizei o sonho do pai, fui militar."
Observando que o ofício de ator tem o poder de emocionar as pessoas e, principalmente, levar o espectador à reflexão, Sirmar Antunes afirmou: "Sei que sou, hoje, um referencial para a negritude não apenas da cidade, mas também da periferia e do interior do estado." Sobre a cidade que o homenageava, Sirmar Antunes comparou-a a uma mãe: "Aceito esta homenagem porque é um motivo a mais para declarar meu amor por essa mãe. Podes contar comigo porque vou te ajudar a crescer, mas nem sempre vou dizer sim, senhora. Porque é assim que vou te ajudar a crescer. Tenho certeza que devo muito e pagarei à cidade fazendo arte e sendo cada vez mais negro, peleando pelos artistas, pelos nossos direitos e pela negritude."
Ao terminar sua fala na tribuna, Sirmar agradeceu por ter sido acolhido como morador na Casa do Artista em Porto Alegre e fez homenagem especial a Vitor Matheus Teixeira, o Teixeira, com quem teve oportunidade de trabalhar no início da carreira. E encerrou dizendo o poema Sou (citado abaixo), do poeta negro gaúcho Oliveira Silveira, a quem agradeceu "pelos ensinamentos".
Proponente da homenagem, o vereador Tarciso Flecha Negra (PSD) reafirmou sua luta pela inclusão social e contou que, participando do movimento negro em Porto Alegre, teve oportunidade de conhecer pessoalmente o ator Sirmar Antunes. "O Sirmar tem um currículo invejável e uma trajetória de vida maravilhosa. É um grande representante da cultura negra." Tarciso destacou que Sirmar, tendo dedicado sua carreira de 40 anos à cultura, fez da atividade artística um grande desafio. "É um pedaço da história de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul. A homenagem, Sirmar, se torna pequena diante do trabalho desempenhado por ti. A nossa Porto Alegre te agradece."
Trajetória
Conhecido por sua destacada atuação como representante da comunidade negra no meio artístico, o porto-alegrense Sirmar Antunes Corrêa integrou, em 1977, o elenco da peça O Evangelho Segundo Zebedeu, de Cezar Vieira, com direção de Luciano Alabarse. Atuou também em peças como Calabar, de Chico Buarque de Hollanda e Ruy Guerra, em Porto Alegre, vivendo o personagem Henrique Dias, e também no Espetáculo Afro-Latino, um musical sobre raízes negras no Rio Grande do Sul.
No teatro, foi dirigido em peças como O Elogio da Traição, de Chico Buarque de Hollanda e Ruy Guerra, e também em Jornada de um Imbecil até o Entendimento, de Plínio Marcos. Em 1987, Sirmar fundou o grupo de teatro dos Correios e Telégrafos e, em 1988, representou o Rio Grande do Sul no Seminário Nacional de Dramaturgia, que teve como proposta debater o espaço do negro na mídia e a violência policial contra a comunidade negra.
Sirmar morou em São Paulo, onde trabalhou na TV Bandeirantes e na Casa Aberta Leide das Neves como voluntário, tornando-se arte-educador para jovens de menor renda, na área do teatro. No ano 2000, de volta a Porto Alegre, teve presença marcante em performances cênicas, como no Tributo a Oliveira da Silveira, em homenagem ao Dia Nacional da Consciência Negra. Também participou como ator no espetáculo de dança Lanceiros Negros.
A partir do retorno à Capital, o artista esteve presente em especiais de TV, curtas e longas metragens e também em espetáculos que, inclusive, renderam-lhe o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante no Festival de Recife, em 2001, pelo espetáculo teatral João Candido Vive.
Apesar do extenso currículo em atuações teatrais, a carreira do homenageado também foi marcada pelo cinema, participando de filmes como Domingo no Grenal, O Dia em que Dorival Encarou a Guarda, Lua de Outubro, Concerto Campestre e Netto Perde Sua Alma.
Texto e edição: Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)
SOU (de Oliveira Silveira)
Sou a palavra cacimba
pra sede de todo mundo
e tenho assim minha alma:
água limpa e céu no fundo.
Já fui remo, fui enxada
e pedra de construção;
trilho de estrada-de-ferro
lavoura, semente, grão.
Já fui a palavra canga,
sou hoje a palavra basta.
E vou refugando a manga
num atropelo de aspa.
Meu canto e faca de charque
voltada contra o feitor,
dizendo que minha carne
não é de nenhum senhor.
Sou o samba das escolas
em todos os carnavais.
Sou o samba da cidade
e lá nos confins rurais.
Sou quicumbi e moçambique
no compasso do tambor.
Sou um toque de batuque
em casa gege-nagô.
Sou a bombacha de santo,
sou o churrasco de Ogum.
Entre os filhos desta terra
naturalmente sou um.
Sou o trabalho e a luta,
suor e sangue de quem
nas entranhas desta terra
nutre raízes também.