Câmara na Comunidade

Água invade a Vila Tio Zeca

Escoamento é prejudicado por entupimento no canal Foto: Elson Sempé Pedroso
Escoamento é prejudicado por entupimento no canal Foto: Elson Sempé Pedroso
“Pode entrar. Não cabe muita gente, mas a gente faz o que pode”. O convite veio de Ênio Ari de Mello, morador da vila Tio Zeca, no Bairro Humaitá, zona norte da Capital. A presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, vereadora Sofia Cavedon (PT), e os vereadores Alceu Brasinha (PTB) e Luciano Marcantônio (PDT) foram recebidos com um pedido de socorro da comunidade. “A nossa situação tá péssima. A maloca tá caindo, pedimos kit de emergência, mas ninguém mandou nada”, desabafou Mello. A constatação dramática era só a primeira da manhã, durante a visita do Câmara na Comunidade desta sexta-feira (15/7).

Às 10h30min de ontem, Zelina Aparecida Jardim Dias já varria o chão de casa, na tentativa de salvar os eletrodomésticos da chuva que iniciara na noite de quarta-feira. Ela apontou no chão rompido vestígios da agressividade da água. Moradora da vila desde os sete anos, está prestes a completar meio século de vida, sem no entanto testemunhar nenhum progresso. “A gente sempre tem esperança de que vai sair da vila. Tomara que eu esteja viva até lá”, disse. Já Helena Marília Silveira desistiu de remontar a casa. “Tu compra, aí teu móvel estraga com a chuva. Eu nem compro mais nada. Às vezes tu acaba pagando a prestação de algo que nem tem mais”, diz, resignada.

A moradora Rosângela da Silva Ramos teve que sair de pés descalços para levar os filhos à escola ontem. A água batia na canela. “Quando chove, os ratos ficam boiando. É o que mais tem aqui”, contou. Depois, acrescentou que os mosquitos também povoam a vila. Luís Eloci Alves dos Santos armazenava um na geladeira e mostrou aos vereadores e representantes das entidades que acompanhavam a visita. “É enorme”, exclamou. A presidente Sofia classificou o descaso como uma irresponsabilidade absurda. “Os problemas não são pontuais. São crônicos, generalizados. Esse abandono degrada ainda mais a vida dos moradores”, declarou.

Da entrada da vila, Lea Rejane Rodrigues Kappes conduziu o grupo até uma casa aparentemente abandonada, com acúmulo de água e foco possível para mosquitos da dengue. Ao lado, vivem duas crianças de 9 e 13 anos e o padrasto, que trabalha o dia todo. Como ficam sozinhas, Lea conta que as cuida sempre que pode. A casa, de material e madeira, fica próxima ao canal que passa próximo à vila – assim como a de Rosângela. Na parede, a marca denuncia que o nível da água chegou até logo abaixo da janela.

Escoamento

As enchentes acontecem com frequência, pois o canal que perpassa a vila está entupido, o que impede o escoamento da água. Também há ocorrência de descarte irregular de resíduos da construção civil no local. Segundo Laércio Machado, que já foi presidente da associação de moradores, a última limpeza aconteceu há cerca de oito anos. “Nós fazíamos mutirão, a própria comunidade limpava”, contou. O assessor comunitário do Departamento de Esgotos Pluviais, Diego Tavares, que acompanhou a visita, disse que o órgão só não faz o trabalho porque não há um local aprovado pelo Ministério Público para a destinação dos resíduos. A vereadora Sofia contatou o procurador-geral de Justiça do Estado, Eduardo de Lima Veiga, que prometeu encaminhar e averiguar a situação.

Há ainda a história da cobra, uma espécie de lenda da vila. O animal morava embaixo de uma das casas e se debatia contra as tábuas do assoalho. Moradores relataram que havia inclusive uma senhora que alimentava a cobra. “Veio um cara da Zoonose e disse que não era pra fazer nada, porque é uma família”. “Bom, mas nós temos muitas famílias em situação de perigo aqui, também”, contestou Sofia.

As instalações elétricas na Tio Zeca são clandestinas. As fiações representam grande perigo para a comunidade. A moradora Sônia Lúcia Duarte de Souza contou de uma vez que um dos fios começou a pegar fogo. “Meu marido gritava ‘corre que tá pegando fogo’. Peguei minha cadelinha, minha bolsa, meus documentos e as crianças e corri para os fundos da vila”.

Moradias

A vila Tio Zeca está prevista no Programa Integrado Entrada da Cidade (PIEC), que planeja a construção de novas moradias para as comunidades da região. Os recursos, provenientes do Fonplata, foram disponibilizados há dez anos, mas os projetos ainda não estão prontos e não há previsão para o início do processo licitatório. “O PIEC está parado ou extremamente moroso”, lamentou a presidente Sofia. “Tem que haver alguma ação a curto prazo. Essas pessoas não vão sair tão cedo daqui”.

Por conta da demora, o terreno destinado à nova vila Tio Zeca sofre constantes invasões. Há poucos meses o local havia sido desocupado pela Prefeitura, mas não houve cercamento. “Na época, a estimativa de custo para cercar a área era de R$ 30 mil, mas não foi feito”, explicou o representante da Secretaria Municipal de Coordenação Política e Governança Local (SMCPGL), Vilnei Machado da Silva. Agora, para fazer nova desocupação, estima-se que o gasto será ainda maior.

Além da SMCPGL e do DEP, acompanharam o Câmara na Comunidade representantes do vereador Dr. Thiago, do Centro Administrativo Regional (CAR) Noroeste/Humaitá Navegantes, do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) e da Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC).

Na próxima semana, Sofia volta ao Humaitá para acompanhar o DMLU em visita à vila Santo André. Ela ainda vai se reunir com o Ministério Público e a Defesa Civil, na quinta-feira (21/7) para tratar os problemas das vilas visitadas no Humaitá. A ideia é que seja montada uma comissão com representantes das quatro comunidades para acompanhar os encaminhamentos. Nos últimos dias, foram entregues dossiês com relatos em foto e texto sobre a atual situação dos moradores da região ao Ministério Público e à Defensoria Pública.

Marta Resing (reg. prof. 5405)
Assessoria de Imprensa da Presidência