Sessão solene

Hohlfeldt: ”A política tem de se preocupar com o bem comum“

Escritor e jornalista foi homenageado por amigos e antigos colaboradores Foto: Felipe Dalla Valle
Escritor e jornalista foi homenageado por amigos e antigos colaboradores Foto: Felipe Dalla Valle
Ao receber, em sessão solene realizada na noite de sexta-feira (12/8), o título de Cidadão Emérito de Porto Alegre concedido pela Câmara Municipal, o ex-vice-governador Antônio Hohlfeldt comemorou a oportunidade de reencontrar amigos e colaboradores que fizeram parte de sua trajetória. "Além das amizades, levo outra marca muito importante: não  fiquei mais rico nem mais pobre com a política. Fiquei mais rico com todos os amigos que eu fiz e que hoje tenho prazer de reencontrar." Ao iniciar seu pronunciamento na tribuna, espaço ao qual se acostumou a ocupar durante os 20 anos em que exerceu o mandato de vereador, o também escritor e jornalista Antônio Hohlfeldt foi categórico: "A política tem de se preocupar com o bem comum e não com o nosso próprio bem."

Durante a solenidade presidida pelo vereador Reginaldo Pujol (DEM), com a presença de diversas autoridades e amigos do homenageado, Hohlfeldt lembrou os companheiros e colaboradores de 20 anos de mandato de Câmara e de outros quatro anos como vice-governador do Estado. Agradeceu a todas as bancadas partidárias e destacou que, ao longo do período em que exerceu a vereança, elas foram crescendo e as negociações políticas, se ampliando.

Proponente da homenagem, o vereador Paulo Marques (PMDB) justificou a concessão do título como um reconhecimento "à contribuição do cidadão Antônio Hohlfeldt na vida da cidade". Destacou a ligação permanente de Hohlfeldt com a área cultural e das Letras. "A trajetória de Hohlfeldt na educação e na vida política e cultural do Estado sempre teve o reconhecimento dos gaúchos por sua postura ética e profissional. Tal o seu envolvimento com os temas ligados à cultura e à educação, que, nos três momentos de sua vida partidária, dirigiu os Institutos de Estudos do PT, do PSDB e do PMDB."

Recordando seu primeiro pronunciamento como vereador na tribuna da Câmara, em 1983, ainda no prédio antigo do Legislativo, Antônio Hohlfeldt disse que aquela havia sido uma época muito díficil. Então colaborador do Correio do Povo na área de cultura, começou sua atuação como vereador no período em que o PDS, antiga Arena, tinha uma bancada de dez vereadores. "E, quando Executivo não gostava de um vereador, encaminhava a cassação", disse ele, lembrando o episódio da cassação do vereador Glenio Peres em anos anteriores.

O ex-vice-governador conta que, muitas vezes, foi questionado por que, sendo jornalista, havia optado pela política. Explicou, então, que o jornalista Alberto André, ex-presidente da ARI e já falecido, mantinha uma página sobre temas da cidade na edição de domingo do Correio do Povo. "Eu lia aquela página porque me envolvia com a cidade." O Hohlfeldt jornalista declarou sua paixão pelo rádio como veículo de comunicação. "Tenho mania de ouvir rádio até hoje. Preciso estar sempre acompanhado do rádio em qualquer lugar onde vou. Trabalhei a vida toda em jornal, mas adoro rádio."

Ao se tornar professor, conta Hohlfeldt, participou da fundação de uma associação da categoria. "O grande momento que recordo deste período foi a oportunidade em que trouxemos, pela associação, o professor Darci Ribeiro a Porto Alegre. Ele recém havia voltado do exílio e proferiu uma palestra no auditório da Unisinos completamente lotado para ouvi-lo falar sobre as ideias em que acreditava."

Comentando três das principais atividades que pautam sua trajetória, Hohlfeldt faz a seguinte síntese: "Jornalista adora falar mal, apontar problemas. Professor adora ter soluções com base em teorias. E quem se rala para resolver problemas é o político, que depois é execrado."

Veador

O ex-vereador e ex-presidente da Câmara de Porto Alegre lembrou ainda as muitas madrugadas em que a Casa foi palco de grandes votações sobre temas importantes. Observando que, no senso comum, há uma ideia de que em política não se faz amigos, Hohlfeldt diz se orgulhar do fato de ter conseguido estabelecer relações de amizade ao longo de sua militância política. "De tudo o que eu levo da política, o mais importante é que fiz amigos."

Ele citou como exemplo a convivência harmoniosa com prefeitos de diferentes partidos e ideologias e a amizade construída com o colega vereador Reginaldo Pujol, hoje no DEM. "Estávamos em lados absolutamente diferentes. Muitas vezes as pessoas não entendiam que as brigas em plenário não eram pessoais e, sim, um embate de ideias em que estava em jogo a disputa de projetos."

Para Reginaldo Pujol, Hohlfeldt mostrou grandes qualidades em sua trajetória como vereador da cidade, homem público e ligado às Letras e como cidadão. "Conheci o Antônio num momento que tinha tudo para dar errado e que acabou dando certo. Começamos um relacionamento respeitoso, primeiro como adversários, depois como aliados. Hohlfeldt tem um trabalho coerente e consequente desenvolvido na vida pública. O reconhecimento de hoje não é mero acaso."

Antônio Hohlfeldt explica que a vereança lhe permitiu entender melhor a origem do termo português "veador", pois as pessoas trazem suas angústias aos parlamentares. "Gabinete de vereador é gabinete médico e psicológico. Muitas vezes as pessoas que nos procuram nos gabinetes querem ser ouvidas e poder dizer que falaram com o vereador." Segundo ele, essa rotina do Legislativo foi diminuindo na medida em que cidade foi melhorando e houve o surgimento dos canais de participação popular, que abriram outras possibilidades. "Antes a Câmara Municipal era o único canal da população."

Amigos

O homenageado lembrou dos muitos amigos e colaboradores que foram importantes na sua trajetória. No jornalismo, recordou a convivência com colegas como Paulo Fontoura Gastal, o PF Gastal, pai do também jornalista e amigo Ney Gastal. "Ele (PF Gastal) foi um segundo pai para mim. Com ele, aprendi jornalismo e coisas da vida, como amizade e a gostar de cinema. Também rememorou um encontro de Glenio Peres, ainda no período em que Hohlfeldt atuava como jornalista, e PF Gastal, começaram a discutir a possível realização de um festival de cinema. Hohlfeldt acabou, então, incumbido pelos dois amigos a iniciar contatos. "Dali se originou o Festival de Cinema de Gramado", conta o jornalista e escritor. "São coisas que, na vida, vão se somando e se encadeando." E foi Eva Sopher, diz Hohlfeldt, que lhe deu abrigo lhe oportunizou convívio e aprendizado com diversas pessoas que costumavam se reunir na casa da amiga à época em que ele, ainda jovem, resolveu sair de casa.

Identificando os funcionários da Câmara Municipal de Porto Alegre presentes ao plenário, o ex-vereador fez especial referência e agradecimento a eles: "Todo vereador que chega traz consigo um mandato, mas quem faz e decide as coisas são eles (funcionários). E é admirável o fato de que eles não fazem diferença entre partidos, trabalham para todos com o mesmo respeito e carinho." Ele também destacou o fato de que a equipe de colaboradores montada durante os 20 anos de mandato como vereador permaneceu praticamente a mesma desde os primeiros até os últimos dias no Legislativo. A mesma equipe continuou, depois, a trabalhar com Hohlfeldt durante os quatro anos em que ele exerceu o cargo de vice-governador. "São pessoas que, ao longo desses anos, continuam se encontrando e trocando experiências."

Sobre o pai, já falecido, lembrou que ele sempre dava espaço para que o filho tomasse decisões sozinho. Também dirigiu palavras de agradecimento e afeto à esposa e à mãe, ambas presentes ao plenário, e reservou especial deferência ao ex-governador Germano Rigotto. "Vivo a política e a tenho no coração. Mas a melhor coisa que me aconteceu foi a convivência com o governador (Germano) Rigotto. Com ele, confirmei que a política se faz com amor, carinho e doação."

Na tribuna, Rigotto prestou homenagem "ao grande e companheiro e amigo Antônio Hohlfeldt." Rigotto destacou a relação de companheirismo e parceria que ele e Hohlfeldt mantiveram no governo estadual. "Nunca tive problemas ou discussão com meu vice-governador. Tenho muito orgulho de ter podido trilhar os quatro anos ao lado de Antônio Hohlfeldt."

Lembrando que conhecia o homenageado desde a época de fundação do PT, o prefeito José Fortunati destacou que, acima de tudo, Antônio Hohlfeldt era um amigo seu. "Circunstâncias partidárias nos dividiram, mas nossa relação continua a mesma, até porque temos a compreensão de que a vida partidária não pode afastar as pessoas de bem.", disse Fortunati, destacando em Hohlfeldt "a postura do homem reto e propositivo e grande negociador".

Intervenção
 
Sobre o episódio que deu origem à intervenção do Executivo no transporte público municipal, ainda na gestão do prefeito Olívio Dutra (1989-1992), Hohlfeldt - então secretário municipal dos Transportes (SMT) - guarda más recordações. "É bom saber que o transporte coletivo, hoje, está estruturado. Mudamos esta cidade, mas eu não gostaria de voltar a ter aquela experiência novamente. Quase acabaram comigo. Foi um período muito duro, acabei sendo agredido muitas vezes. O lado bom é que o sistema (de transportes) ficou mais bem montado. Ao término do mandato como secretário, havia um sistema online de controle das tarifas de ônibus. Montamos uma estrutura da Secretaria de fato."

Após esse trabalho de reestruturação da SMT, Antônio Hohlfedt considerou que o seu trabalho à frente da pasta estava concluído e pediu demissão do cargo ao prefeito. Ao retornar ao mandato de vereador na Câmara de Porto Alegre, ele ainda participou ativamente de uma longa discussão sobre o cálculo da fórmula sobre o preço da tarifa em Porto Alegre.

Atual prefeito de Porto Alegre, José Fortunati disse que a atuação do secretário naquele episódio "demarcou com muita intensidade o caráter público" de Hohlfeldt. "Ao assumir a Secretaria, o transporte de Porto Alegre era considerado um dos piores do país. A intervenção que aconteceu permite que hoje possamos celebrar a atual qualidade do nosso transporte."

Trajetória
 
Nascido em Porto Alegre em 22 de dezembro de 1948, Antônio Carlos Hohlfeldt cedo se dedicou à literatura, ao teatro e a todos os temas que envolvem a atividade cultural. Ainda jovem destacou-se na função política, iniciando sua trajetória na recém fundada Associação de Reivindicações da Vila IAPI (Arvi), onde morava, ainda nos anos 60. A política e a atividade docente sempre andaram juntas. Na área de ensino, iniciou sua atividade profissional no Instituto Pré-Vestibular (IPV), preparando, ao lado dos professores Clóvis Duarte e José Fogaça uma geração de alunos. Seu envolvimento político propriamente dito começou ao lecionar na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), quando, juntamente com João Verle e Raul Pont, fundou e integrou a primeira diretoria da associação de professores daquela Universidade.

O país estava em efervescência, o regime militar ainda vigorava, e o caminho natural foi o ingresso no Partido dos Trabalhadores (PT), pelo qual concorreu em 1982, sendo o primeiro e único da legenda a se eleger. Ainda pelo PT, se reelegeu em 1988 e 1992. Eleito Olívio Dutra prefeito da Capital, foi seu primeiro secretário dos Transportes em 1989, vindo a presidir a Câmara em 1991. Em 1993, troca o PT pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), vindo a se eleger por dois mandatos, ainda como vereador. Ao ser eleito, em 2002, vice-governador na gestão de Germano Rigotto, Hohlfeldt ocupa o cargo máximo eletivo de sua trajetória política. Como vice-governador, se destacou por sua atuação junto aos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes) e aos Conselhos Municipais de Desenvolvimento (Comudes), valorizando os processos de participação popular.

Em 2006, passa a integrar o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Ao deixar o governo do Estado, em 2006, aceitou integrar a Secretaria Geral de Governo do Município de São José do Norte (RS). Após lecionar na Unisinos, na Universidade de Caxias do Sul (UCS), na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) e de atuar como professor convidado em diversas universidades da Europa, além do Canadá, Hohlfeldt leciona hoje no Pós Graduação da Faculdade de Comunicações da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Ele também integra o Colegiado do Instituto Histórico e Geográfico, bem como preside a Sociedade Interamericana de Comunicação (Intercom) e a Fundação Ulysses Guimarães do Rio Grande do Sul.
 
Sua contribuição intelectual no campo das artes, da cultura, do teatro e da literatura engloba quase quinhentos textos técnicos, trinta livros e inúmeros trabalhos nessas áreas. Hohlfeldt também foi patrono da Feira do Livro de Porto Alegre, além de ter recebido diversos prêmios e títulos de reconhecimento à sua atividade.


Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)