Lei das Antenas volta ao debate na Câmara em 2012
Em setembro do ano passado, começou a tramitar, na Câmara Municipal de Porto Alegre, um projeto de lei que propõe a revogação da atual legislação que regula a instalação de estações de rádio-base (ERBs) para telefonia celular na Capital. O Projeto de Lei 03279/2011, de autoria do vereador Airto Ferronato (PSB), coloca novamente em debate, no Legislativo, a busca de conciliação entre a necessidade de capacitar a cidade para a utilização das tecnologias mais modernas em telefonia celular e os possíveis impactos que as ondas eletromagnéticas emitidas pelas ERBs teriam sobre a saúde humana, bem como sobre o meio ambiente e a paisagem urbana de Porto Alegre.
A Lei 8.896, de 26 de abril de 2002, que está em vigência até hoje, trata da instalação de ERBs e equipamentos afins de rádio, televisão, telefonia e telecomunicações no Município. Pela lei atual, regulamentada pelo Decreto 13.927/02, o licenciamento, no âmbito municipal, das Estações de Rádio-Base deve ser precedido de análises urbanística, ambiental e da edificação, passando depois pela licença e vistoria da edificação.
Entre outras alterações, o projeto de Ferronato propõe adotar os limites de exposição humana aos campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos estabelecidos na legislação federal -diferentes daqueles estabelecidos pela Lei 8.896/02. A proposta também elimina a distância diferenciada de 50 metros entre as ERBs e a divisa de imóveis onde se situem hospitais, escolas e creches e deixa de prever a necessidade de licenciamento ambiental. Se aprovado o projeto, as licenças para instalação de ERBs não terão mais prazo, assim como cria a figura da licença por decurso de prazo quando excedido o período para finalização do processo de licença.
A partir da Lei 8.896/02, Porto Alegre, primeira cidade do país a ter uma legislação sobre a instalação das ERBs, passou a ser a única cidade na América Latina a incluir normas com o princípio da precaução, adotando regras similares às da legislação suíça sobre o tema. Com a vigência da lei, as empresas de telecomunicações tiveram prazo de 36 meses para adaptar as cerca de 300 torres que existiam na Capital. Novas antenas teriam de ser instaladas de acordo com as determinações aprovadas e colocadas prioritariamente em fachadas ou postes. A nova legislação também estabelecia dois tipos de frequência para as antenas: 900 GHz e 1.800 GHz.
Revisão
Em março do ano passado, técnicos da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) estiveram na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara para apresentar aos vereadores a proposta da entidade para a atualização da Lei 8.896/02. As operadoras de telefonia alegam que a alteração da chamada Lei das Antenas é uma das exigências feitas pela Federação Internacional de Futebol Association (Fifa) para a realização de jogos da Copa do Mundo 2014 em Porto Alegre.
As mudanças, de acordo com os representantes das operadoras, teriam o objetivo de viabilizar a implementação da tecnologia de quarta geração, mais conhecida como 4G, na telefonia móvel da Capital. A tecnologia 4G trabalha com potência de 2,5 GHz, capacidade três vezes maior do que a tecnologia GSM (Global System for Mobile Communications, ou Sistema Global para Comunicações Móveis), hoje utilizada para os celulares. Atualmente, há duas tecnologias, consideradas pré-4G, que são mais exploradas na indústria: WiMAX e LTE (Long Term Evolution).
Em junho, a reivindicação foi a apresentada pelo diretor executivo do Sistema Fiergs/Ciergs, Carlos Garcia, à Comissão da Copa 2014 na Câmara Municipal, presidida pelo vereador Airto Ferronato (PSB). Na ocasião, o secretário especial da Copa, João Bosco Vaz, defendeu a necessidade de investimentos em telefonia a fim de garantir a infraestrutura necessária aos profissionais que trabalharão em Porto Alegre durante aos jogos da Copa em 2014.
Na Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) da Câmara, em agosto, representantes das operadoras Oi, Claro, Vivo e Tim afirmaram que a flexibilização da Lei das Antenas deveria incluir a permissão para instalação de novas antenas em topos de prédios e em postes de energia elétrica. Segundo os técnicos, os níveis de radiação emitidos pelas antenas hoje, com a tecnologia digital, são extremamente menores que os das antenas antigas, chamadas de paliteiros, cuja instalação está sendo contestada judicialmente. Até 2014, as empresas operadoras de telefonia celular desejam colocar mais ERBs nas proximidades dos estádios de futebol em Porto Alegre, a fim de oferecerem melhores serviços durante os jogos da Copa do Mundo.
Licenciamentos
Em recente visita ao presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, vereador Mauro Zacher (PDT), a executiva de Relações Institucionais da empresa de telefonia Oi no Rio Grande do Sul, Rita Campos Daudt, ressaltou que, em 13 anos de vigência da legislação municipal sobre ERBs, "muita coisa mudou, tanto em tecnologia como em pesquisas na área da saúde". Para a executiva, Porto Alegre está atrasada em relação a outras cidades do interior do Estado quanto a investimentos em tecnologia por conta de um engessamento legal.
Em debate promovido pelas comissões permanentes da Casa no ano passado, o representante da Agência Nacional de Telefonia (Anatel) João Jacob Bettoni informou que Porto Alegre registrava, em 26 de julho de 2011, 652 ERBs instaladas. Na mesma ocasião, o engenheiro Adriano Waclawovsky, da operadora Claro, explicou que a cidade é dividida em células para efeito de cobertura pelas companhias telefônicas, sendo necessárias as antenas para a emissão do sinal. "Quanto mais células, menor a potência das ERBs." Ele observou que as operadoras recebem grande número de reclamações por parte dos usuários, devido à falta de cobertura em alguns locais da cidade e defendeu o aumento do número de ERBs com menor potência cobrindo áreas de menor tamanho, a fim de dar conta da demanda.
As operadoras também reclamam da falta de agilidade nos processos de licenciamento das ERBs pela prefeitura em Porto Alegre, que estariam demorando até dois anos. "Os limites e procedimentos administrativos são incompatíveis com as demandas", alega Cláudio Castro, consultor da operadora Vivo. Sérgio Felipeto, também da Vivo, justificou a necessidade de aumento do número de ERBs na Capital em função das dificuldades da tecnologia 4G, com maior potência, para propagação do sinal em ambientes fechados. Ele negou, no entanto, que as reivindicações estejam relacionadas apenas às exigências da Fifa para a Copa do Mundo 2014. "Há uma evolução natural para a tecnologia 4G. É preciso haver a otimização do espectro de frequência." Cláudio Castro lembrou ainda que a distância mínima de 500 metros entre torres de telefonia, exigida pela lei porto-alegrense, tem caráter meramente urbanístico. "É preciso flexibilizar essa limitação de acordo com critérios técnicos."
Para o professor e pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ) Gláucio Siqueira, a distância entre as ERBs não é o fato relevante, mas sim a medição da radiação, já exigida pela Lei Federal 11.934 - que estabelece regras para instalação de ERBs. Segundo ele, a distribuição de antenas garante uma boa comunicação e não causa prejuízo à saúde da população e nem danos ao meio ambiente.
Danos
Ao longo dos debates sobre ERBs promovidos pela Câmara Municipal no ano passado, Luiz Alberto Atz, do Movimento das Associações de Bairros de Porto Alegre, manifestou preocupação com possíveis problemas de saúde gerados pelas radiações emitidas pelas ERBs. "As empresas querem alterar a legislação de Porto Alegre porque ela prejudica os lucros das operadoras", afirmou. A Associação dos Amigos do Bairro Bom Fim, liderada por Atz, foi a entidade que deu início ao movimento em defesa da criação de uma legislação municipal mais rigorosa sobre a instalação de estações de rádio-base de telefonia celular na Capital.
A partir da mobilização de moradores do Bom Fim, o movimento surgido no início da década passada acabou se estendendo a outros bairros da cidade. Ele reivindicava uma nova legislação que, com base no princípio da precaução, contemplasse os seguintes pontos: proibição da instalação das torres perto de aglomerações de pessoas; redução da taxa de emissão de potência das torres, definição de distância mínima das antenas em relação a imóveis, creches, hospitais e asilos; fiscalização do poder público sobre as emissões eletromagnéticas e debate prévio com a comunidade antes da instalação das torres.
De acordo com o professor da UFRGS Álvaro Augusto Salles, um dos técnicos que auxiliaram na elaboração do projeto que deu origem à Lei da Antenas, pesquisas epidemiológicas realizadas por cientistas teriam acusado a incidência de casos de câncer em pessoas atingidas por radiação eletromagnética. "Radiações ionizantes e não-ionizantes causam fragmentação da célula. Mesmo em níveis muito baixos, elas podem causar efeitos degenerativos." Salles destacou que a legislação porto-alegrenses que regula a instalação de ERBs incorpora o conceito da precaução, diminuindo os riscos da exposição à radiação. "Podemos desfrutar dos benefícios tecnológicos, mas não às custas de prejuízos à saúde da população", disse o professor durante debate promovido pela Cosmam.
Na mesma ocasião, a médica Geila Radünz Vieira, da Coordenação Geral de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde, salientou que as radiações eletromagnéticas provocam alterações em nível de membrana, afetando a saúde humana, pois a capacidade de reparo das células vai desaparecendo ao longo do tempo. Segundo ela, a Organização Mundial da Saúde (OMS) admitiu, no ano passado, que a radiação emitida pelos telefones celulares pode causar danos à saúde, tal como a leucemia. "A saúde tem de ser vista como um direito e não como uma concessão." Geila questionou ainda por que as operadoras de telefonia desejam instalar mais ERBs e não se interessam em colocar antenas de topo.
Para a promotora Ana Maria Marchesan, do Ministério Público Estadual, a proposta de aumento do número de ERBs na Capital esbarra na exigência legal que limita a, no mínimo, 50 metros a distância entre estações e locais sensíveis como hospitais, escolas, clínicas, creches e outros. A promotora também lembrou que a lei municipal de 2002 brecou o "efeito paliteiro", em que as antenas de telefonia celular se sobressaem em vários locais da cidade e agridem a paisagem urbana. "As empresas de telefonia têm condições de oferecer tecnologia que não agrida o meio ambiente e a saúde, sem necessidade de alterar a legislação."
Desta forma, o debate sobre a revisão da Lei das Antenas, proposta pelo Projeto de Lei 03279/2011, deve prosseguir em 2012 na Câmara Municipal.
Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)