Projeto institui o Programa Família Acolhedora em Porto Alegre
Famílias poderiam acolher, durante um ano, criança ou adolescente vítima de violência doméstica
Está em tramitação, na Câmara Municipal de Porto Alegre, projeto da vereadora Fernanda Melchionna e do vereador Professor Alex Fraga, ambos do PSOL, que propõe a instituição do Programa Família Acolhedora no Município, "como parte fundamental da política de proteção especial a crianças e adolescentes". De acordo com o projeto, a proposta visa à garantia dos direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e atender ao disposto na Política Nacional de Assistência Social no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (Pnas-Suas).
O Programa Família Acolhedora visa à proteção de crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica ou que apresentem situação de risco dentro de seu contexto sociofamiliar, mediante sua inclusão em família acolhedora, "possibilitando-lhes o desenvolvimento de suas potencialidades e a sua reintegração ao ambiente familiar de origem". Pela proposta, a inclusão de criança ou adolescente em família acolhedora ocorrerá de forma temporária, nas modalidades de tutela ou guarda, por competência exclusiva dos Juizados da Infância e da Juventude de Porto Alegre e com a cooperação de equipe técnica responsável pelo Programa, desde que constatada a impossibilidade de sua colocação sob tutela ou guarda na família extensa.
O Programa Família Acolhedora será supervisionado pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA).
Encaminhamento
O encaminhamento da criança ou do adolescente à família acolhedora ocorrerá mediante Termo de Guarda e Responsabilidade e será determinado em processo judicial. O término do acolhimento familiar da criança ou do adolescente se dará por determinação judicial, atendendo aos encaminhamentos pertinentes para o seu retorno à família de origem, a sua colocação em família substituta ou a sua adoção.
O projeto prevê que o Programa atenderia crianças e adolescentes do Município "que tenham seus direitos ameaçados ou violados e que necessitem de proteção ou acautelamento em relação à família de origem", especialmente em casos de: abandono; negligência; abuso sexual; maus tratos; ameaça e violação dos direitos fundamentais por parte dos pais ou dos responsáveis; destituição de guarda ou tutela; e suspensão ou perda do poder familiar.
A família acolhedora prestará serviço de caráter voluntário, que não gerará vínculo empregatício ou profissional com o órgão executor do Programa. Poderão cadastrar-se no Programa pessoas maiores de 25 anos, sem restrição quanto a sexo, orientação sexual ou estado civil, que tenham: a concordância de todos os membros da família maiores de 16 anos que residam no local do acolhimento; residência permanente em Porto Alegre; disponibilidade de tempo e interesse em oferecer proteção e amor à criança e ao adolescente acolhidos; situação financeira estável; e parecer psicossocial favorável.
Durante o período de acolhimento, as visitas da equipe técnica serão mantidas, gerando relatórios circunstanciados e sendo realizadas sem a necessidade de prévio aviso e com periodicidade, no mínimo, mensal, como forma de comprovar que os direitos das crianças e dos adolescentes acolhidos estão sendo observados.
Família acolhedora
A família acolhedora ficará com a criança ou o adolescente pelo período máximo de um ano. Superada a situação de vitimização ou o risco que deu origem ao acolhimento, as crianças ou os adolescentes acolhidos serão desligados do Programa, mediante determinação judicial. Nos casos de inadaptação, a família acolhedora procederá à desistência formal da tutela ou guarda, responsabilizando-se pelos cuidados com a criança ou o adolescente acolhidos até novo encaminhamento, que será comunicado à autoridade judiciária.
Cada família poderá acolher, no máximo, duas crianças ou adolescentes, salvo tratar-se de grupo de irmãos. A família acolhedora terá responsabilidade familiar pelas crianças e pelos adolescentes acolhidos, ficando obrigada, especialmente, a: garantir aos acolhidos todos os direitos e as responsabilidades legais reservados ao guardião, devendo prestar assistência material, moral e educacional à criança e ao adolescente, conferindo-lhes o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais; assegurar aos acolhidos a atenção, o cuidado, o respeito e o afeto devidos, oferecendo-lhes também os limites adequados, excluídas todas as formas de punição física, violência verbal e psicológica; prestar informações sobre a situação dos acolhidos aos profissionais que acompanharem o acolhimento; e contribuir, sob orientação técnica dos profissionais do Programa, na preparação da criança ou do adolescente para o retorno à família de origem.
Se necessário, as famílias acolhedoras receberão, por criança ou adolescente acolhido, bolsa-auxílio de valor a ser definido pela equipe técnica do Programa e cujo teto será de um salário-mínimo regional por acolhimento. Em caso de acolhimento de criança ou adolescente com deficiência física ou mental, ou com doença mental, o teto da bolsa-auxílio será de 1,5 salário-mínimo regional por acolhimento. O valor da bolsa-auxílio levará em conta a idade da criança ou do adolescente acolhido, suas necessidades específicas e as condições socioeconômicas da família acolhedora. A família acolhedora que tenha recebido a bolsa-auxílio e não tenha cumprido as prerrogativas desta Lei ficará obrigada a ressarcir a importância recebida durante o período da irregularidade.
Origem do projeto
Os autores explicam que o projeto teve origem a partir de reflexões com o jornalista, sociólogo, professor e ex-deputado federal Marcos Rolim sobre a situação de crianças e adolescentes em abrigos de vários estados brasileiros. "Desde então, temos conversado a respeito da necessidade de alternativas que garantam direitos às crianças e aos adolescentes. Essas conversas, bem como nossa experiência nas visitas aos abrigos para crianças e adolescentes de Porto Alegre, resultaram neste projeto de lei."
Os dois vereadores observam que o Brasil tem adotado, ao longo de sua história, o recurso do abrigamento institucional para crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica ou em situação de risco grave. O foco das políticas públicas no setor, segundo eles, sempre esteve voltado para a institucionalização, da qual o Serviço de Assistência ao Menor (SAM) e a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) foram, em passado recente, exemplos bem conhecidos.
"Com o advento da doutrina da proteção integral e com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), passou-se a lidar com novos conceitos, como a noção de que as crianças e os adolescentes são sujeitos de direitos e de que devem constituir prioridade absoluta. A preservação dos vínculos familiares e comunitários é um dos objetivos que ganham destaque nesse novo paradigma. Para o Estatuto, o acolhimento institucional constitui medida provisória e excepcional. No entanto, 26 anos após a aprovação do ECA, os abrigos seguem sendo recurso amplamente hegemônico no país."
Cedecondh
Fernanda Melchionna e Alex Fraga lembram que, em 2015, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal visitou abrigos para as crianças sob tutela do Estado e sob responsabilidade do Município. Na ocasião, segundo eles, a Comissão identificou problemas gravíssimos de falta de infraestrutura, de recursos humanos e, sobretudo, de ausência de perspectivas para centenas de crianças e adolescentes nessa situação. Um dos encaminhamentos das audiências públicas realizadas foi justamente a busca de políticas transitórias, tais como a família acolhedora.
"Por família acolhedora devemos entender aquela que, voluntariamente, acolhe em seu espaço de convivência doméstica, pelo tempo estabelecido e sem a pretensão de adotar, a criança ou o adolescente que necessita de proteção especial e que foi afastado de sua família original por diferentes motivos, oferecendo-lhe o respeito, os cuidados básicos, a atenção e o necessário monitoramento, além do afeto indispensável ao seu desenvolvimento integral e à pretendida inserção familiar, assegurando-lhe a convivência familiar e comunitária. O acolhimento familiar formal é uma prática mediada por profissionais, com plano de intervenção definido, administrado por um serviço, conforme política pública estabelecida. Não é uma atitude voluntária dos pais e sim uma determinação judicial com vistas à proteção da criança."
Eles explicam ainda que a proposição de auxílio financeiro às famílias acolhedoras segue as orientações internacionais e o disposto pelo ECA, que determina que o Poder Público deve estimular o acolhimento familiar, por meio de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios. "É possível que algumas famílias cadastradas não necessitem desse tipo de apoio, razão pela qual preferimos deixar esse ponto a cargo da avaliação técnica competente, fixando os critérios e os limites a serem observados."
Texto: Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)
Edição: Marco Aurélio Marocco (reg. prof. 6062)