Plenário

Projeto institui o Programa Família Acolhedora em Porto Alegre

Famílias poderiam acolher, durante um ano, criança ou adolescente vítima de violência doméstica

  • Vereadora Fernanda Melchionna
    Vereadora Fernanda Melchionna (PSOL) (Foto: Ederson Nunes/CMPA)
  • Na foto: Vereador Professor Alex Fraga
    Vereador Professor Alex Fraga (PSOL) (Foto: Leonardo Contursi/CMPA)

Está em tramitação, na Câmara Municipal de Porto Alegre, projeto da vereadora Fernanda Melchionna e do vereador Professor Alex Fraga, ambos do PSOL, que propõe a instituição do Programa Família Acolhedora no Município, "como parte fundamental da política de proteção especial a crianças e adolescentes". De acordo com o projeto, a proposta visa à garantia dos direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e atender ao disposto na Política Nacional de Assistência Social no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (Pnas-Suas).

O Programa Família Acolhedora visa à proteção de crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica ou que apresentem situação de risco dentro de seu contexto sociofamiliar, mediante sua inclusão em família acolhedora, "possibilitando-lhes o desenvolvimento de suas potencialidades e a sua reintegração ao ambiente familiar de origem". Pela proposta, a inclusão de criança ou adolescente em família acolhedora ocorrerá de forma temporária, nas modalidades de tutela ou guarda, por competência exclusiva dos Juizados da Infância e da Juventude de Porto Alegre e com a cooperação de equipe técnica responsável pelo Programa, desde que constatada a impossibilidade de sua colocação sob tutela ou guarda na família extensa.

O Programa Família Acolhedora será supervisionado pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA).

Encaminhamento

O encaminhamento da criança ou do adolescente à família acolhedora ocorrerá mediante Termo de Guarda e Responsabilidade e será determinado em processo judicial. O término do acolhimento familiar da criança ou do adolescente se dará por determinação judicial, atendendo aos encaminhamentos pertinentes para o seu retorno à família de origem, a sua colocação em família substituta ou a sua adoção.

O projeto prevê que o Programa atenderia crianças e adolescentes do Município "que tenham seus direitos ameaçados ou violados e que necessitem de proteção ou acautelamento em relação à família de origem", especialmente em casos de: abandono; negligência; abuso sexual; maus tratos; ameaça e violação dos direitos fundamentais por parte dos pais ou dos responsáveis; destituição de guarda ou tutela; e suspensão ou perda do poder familiar.

A família acolhedora prestará serviço de caráter voluntário, que não gerará vínculo empregatício ou profissional com o órgão executor do Programa. Poderão cadastrar-se no Programa pessoas maiores de 25 anos, sem restrição quanto a sexo, orientação sexual ou estado civil, que tenham: a concordância de todos os membros da família maiores de 16 anos que residam no local do acolhimento; residência permanente em Porto Alegre; disponibilidade de tempo e interesse em oferecer proteção e amor à criança e ao adolescente acolhidos; situação financeira estável; e parecer psicossocial favorável.

Durante o período de acolhimento, as visitas da equipe técnica serão mantidas, gerando relatórios circunstanciados e sendo realizadas sem a necessidade de prévio aviso e com periodicidade, no mínimo, mensal, como forma de comprovar que os direitos das crianças e dos adolescentes acolhidos estão sendo observados. 

Família acolhedora

A família acolhedora ficará com a criança ou o adolescente pelo período máximo de um ano. Superada a situação de vitimização ou o risco que deu origem ao acolhimento, as crianças ou os adolescentes acolhidos serão desligados do Programa, mediante determinação judicial. Nos casos de inadaptação, a família acolhedora procederá à desistência formal da tutela ou guarda, responsabilizando-se pelos cuidados com a criança ou o adolescente acolhidos até novo encaminhamento, que será comunicado à autoridade judiciária.

Cada família poderá acolher, no máximo, duas crianças ou adolescentes, salvo tratar-se de grupo de irmãos. A família acolhedora terá responsabilidade familiar pelas crianças e pelos adolescentes acolhidos, ficando obrigada, especialmente, a: garantir aos acolhidos todos os direitos e as responsabilidades legais reservados ao guardião, devendo prestar assistência material, moral e educacional à criança e ao adolescente, conferindo-lhes o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais; assegurar aos acolhidos a atenção, o cuidado, o respeito e o afeto devidos, oferecendo-lhes também os limites adequados, excluídas todas as formas de punição física, violência verbal e psicológica; prestar informações sobre a situação dos acolhidos aos profissionais que acompanharem o acolhimento; e contribuir, sob orientação técnica dos profissionais do Programa, na preparação da criança ou do adolescente para o retorno à família de origem.

Se necessário, as famílias acolhedoras receberão, por criança ou adolescente acolhido, bolsa-auxílio de valor a ser definido pela equipe técnica do Programa e cujo teto será de um salário-mínimo regional por acolhimento. Em caso de acolhimento de criança ou adolescente com deficiência física ou mental, ou com doença mental, o teto da bolsa-auxílio será de 1,5 salário-mínimo regional por acolhimento. O valor da bolsa-auxílio levará em conta a idade da criança ou do adolescente acolhido, suas necessidades específicas e as condições socioeconômicas da família acolhedora. A família acolhedora que tenha recebido a bolsa-auxílio e não tenha cumprido as prerrogativas desta Lei ficará obrigada a ressarcir a importância recebida durante o período da irregularidade.

Origem do projeto

Os autores explicam que o projeto teve origem a partir de reflexões com o jornalista, sociólogo, professor e ex-deputado federal Marcos Rolim sobre a situação de crianças e adolescentes em abrigos de vários estados brasileiros. "Desde então, temos conversado a respeito da necessidade de alternativas que garantam direitos às crianças e aos adolescentes. Essas conversas, bem como nossa experiência nas visitas aos abrigos para crianças e adolescentes de Porto Alegre, resultaram neste projeto de lei."

Os dois vereadores observam que o Brasil tem adotado, ao longo de sua história, o recurso do abrigamento institucional para crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica ou em situação de risco grave. O foco das políticas públicas no setor, segundo eles, sempre esteve voltado para a institucionalização, da qual o Serviço de Assistência ao Menor (SAM) e a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) foram, em passado recente, exemplos bem conhecidos.

"Com o advento da doutrina da proteção integral e com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), passou-se a lidar com novos conceitos, como a noção de que as crianças e os adolescentes são sujeitos de direitos e de que devem constituir prioridade absoluta. A preservação dos vínculos familiares e comunitários é um dos objetivos que ganham destaque nesse novo paradigma. Para o Estatuto, o acolhimento institucional constitui medida provisória e excepcional. No entanto, 26 anos após a aprovação do ECA, os abrigos seguem sendo recurso amplamente hegemônico no país."

Cedecondh

Fernanda Melchionna e Alex Fraga lembram que, em 2015, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal visitou abrigos para as crianças sob tutela do Estado e sob responsabilidade do Município. Na ocasião, segundo eles, a Comissão identificou problemas gravíssimos de falta de infraestrutura, de recursos humanos e, sobretudo, de ausência de perspectivas para centenas de crianças e adolescentes nessa situação. Um dos encaminhamentos das audiências públicas realizadas foi justamente a busca de políticas transitórias, tais como a família acolhedora. 

"Por família acolhedora devemos entender aquela que, voluntariamente, acolhe em seu espaço de convivência doméstica, pelo tempo estabelecido e sem a pretensão de adotar, a criança ou o adolescente que necessita de proteção especial e que foi afastado de sua família original por diferentes motivos, oferecendo-lhe o respeito, os cuidados básicos, a atenção e o necessário monitoramento, além do afeto indispensável  ao seu desenvolvimento integral e à pretendida inserção familiar, assegurando-lhe a convivência familiar e comunitária. O acolhimento familiar formal é uma prática mediada por profissionais, com plano de intervenção definido, administrado por um serviço, conforme política pública estabelecida. Não é uma atitude voluntária dos pais e sim uma determinação judicial com vistas à proteção da criança."

Eles explicam ainda que a proposição de auxílio financeiro às famílias acolhedoras segue as orientações internacionais e o disposto pelo ECA, que determina que o Poder Público deve estimular o acolhimento familiar, por meio de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios. "É possível que algumas famílias cadastradas não necessitem desse tipo de apoio, razão pela qual preferimos deixar esse ponto a cargo da avaliação técnica competente, fixando os critérios e os limites a serem observados."

Texto: Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)
Edição: Marco Aurélio Marocco (reg. prof. 6062)