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Comunidade quilombola quer evitar desapropriação

Christian Mery e Onir Araújo pediram mais prazo para negociar acordo Foto: Francielle Caetano
Christian Mery e Onir Araújo pediram mais prazo para negociar acordo Foto: Francielle Caetano
Em reunião realizada pela Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh) da Câmara Municipal de Porto Alegre, nesta terça-feira (2/4) à tarde, representantes da Procuradoria Geral do Município (PGM) e da comunidade quilombola residente na Rua Santa Cruz, Bairro Santa Tereza, acordaram em elaborar uma petição conjunta a ser enviada à 2ª Vara da Fazenda Pública para que suspenda, por 15 dias, o despejo das cinco famílias que residem no local. A desocupação, inicialmente agendada para ocorrer no dia 26 de março, foi remarcada para a próxima quinta-feira (4/4).

Na mesma petição a ser elaborada, o advogado dos quilombolas, Onir Araújo, que também é presidente da Frente Nacional em Defesa do Território Quilombola, deve se comprometer a anexar ao processo judicial documentos que comprovam a existência de um ilê (terreiro) naquele local e o reconhecimento formal da comunidade tradicional de terreiro. A presidente da Cedecondh, vereadora Fernanda Melchionna (PSOL), garantiu que a Comissão também anexará ao processo um documento relatando as tratativas feitas durante a reunião. No terreno a ser desapropriado na Rua Santa Cruz, a prefeitura pretende reassentar moradores retirados da área que será utilizada na duplicação da Avenida Tronco, uma das obras projetadas para a Copa 2014.

Moradora há 48 anos na comunidade, Christian Mery Penna de Oliveira é neta de Marcelina Martins, proprietária do terreno falecida há dez anos. "Agora chegou uma carta de desapropriação da prefeitura. Em 5 de fevereiro, um oficial de justiça disse que tínhamos de sair do local, mas não houve nenhum diálogo."

O advogado Onir Araújo salientou que o desenvolvimento da cidade não pode ocorrer em detrimento da população pobre e negra. "A família Penna de Oliveira era oriunda da antiga Ilhota, berço da religião de matriz africana. A família foi desapropriada em razão do processo de valorização daquela área. Agora, na Rua Santa Cruz, a prefeitura alega que a desapropriação deve ser feita por interesse social, mas outros preceitos de interesse da sociedade estão sendo desconsiderados, como a identidade e o pertencimento dessas famílias.", disse Onir, lembrando que o ilê da Mãe Dona Marcelina se constitui em um dos mais famosos do Estado. "A família está sendo perseguida pela expansão da cidade. É uma história que se repete."

Para Onir, a ação para desapropriação por interesse social desconsidera o pertencimento das famílias negras consolidadas há décadas naquele local e a existência de terreiros. "Serão 26 terreiros impactados pela abertura da Avenida Tronco. Isso envolve muito mais do que retirar pessoas de um lugar para colocá-las em outro. As famílias estão pedindo prazo maior para buscar uma negociação justa, sem imposições." O advogado informou que, no dia 11 de agosto de 2011, foi solicitado à Fundação Cultural Palmares um certificado avalizando o auto-reconhecimento da comunidade como quilombola. Esse certificado pode chegar a qualquer momento."

As representantes da Procuradoria Geral do Município garantiram, no entanto, que desconheciam o fato de o terreno escolhido para o reassentamento da Vila Tronco pertencer a uma comunidade quilombola. "Se isso for verdadeiro, muda tudo, pois o terreno não pode ser desapropriado. A avaliação foi técnica, não teve nenhuma motivação racista", disse a procuradora Claudia Barcellos. Segundo ela, o imóvel foi adquirido por Marcelina em usucapião. "Atualmente, as pessoas que lá residem não têm situação regularizada. Não houve açodamento da prefeitura em cumprir sentença liminar, pois a desapropriação veio dois anos após a ação de imissão de posse. O valor do imóvel é de R$ 530 mil."

Coordenada pela vereadora Fernanda Melchionna (PSOL), presidente da Cedecondh, a reunião também contou com a presença dos vereadores Marcelo Sgarbossa (PT), Mônica Leal (PP), Luiza Neves (PDT), Any Ortiz (PPS), Tarciso Flecha Negra (PSD) e Cláudio Janta (PDT), além de representantes do Executivo municipal e das comunidades quilombolas.

Texto: Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)