Cosmam

Vereadores e comunidade debatem parcerias privadas com o Dmae

  • Vereadores discutem Saneamento Municipal e Projeto de Emenda à Lei Orgânica nº010/17.
    Comissão ouviu argumentos contra e a favor do projeto (Foto: Tonico Alvares/CMPA)
  • Vereadores discutem Saneamento Municipal e Projeto de Emenda à Lei Orgânica nº010/17.
    Representantes da sociedade civil acompanharam a reunião (Foto: Tonico Alvares/CMPA)

O encontro promovido na manhã desta terça-feira (15/8) pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) da Câmara Municipal de Porto Alegre deixou claro que está só no começo o embate entre servidores municipais e entidades ligadas ao meio ambiente, e o governo, quanto às diferenças de visão sobre o projeto do Executivo que prevê alterar a Lei Orgânica Municipal para permitir que o DMAE possa concessionar a execução de serviços realizados pela autarquia na área do abastecimento de água e de captação e tratamento por rede de esgoto. Presidida pelo vereador André Carus )PMDB), a reunião teve como objetivo abrir o debate em torno do Projeto de Emenda à Lei Orgânica (PELO) que, de acordo com a prefeitura, apenas ajusta a legislação às normas federais já vigentes. 

Entre os presentes, destacaram-se três secretários municipais, Ramiro Rosário (Serviços Urbanos), Bruno Vanuzzi (Parcerias Estratégicas) e Maurício Fernandes (Meio Ambiente e Sustentabilidade). Eles defenderam a iniciativa do governo e ressaltaram que a Câmara Municipal é o fórum adequado para o debate e as deliberações sobre a matéria. Conforme Vanuzzi, a administração pública não tem condições de aportar os recursos necessários para garantir o avanço das condições de saneamento, especialmente para a Zona Norte da cidade. Disse que ao todo, para os próximos 15 anos, serão necessários mais de R$ 6 bilhões e que, a exemplo do que a União, estados e diversos municípios já estão fazendo, é preciso que Porto Alegre encontre parceiros da iniciativa privada que financiem a expansão da rede para os cerca de 48% da população que não contam com esse direito básico e a manutenção da prestação desse serviço. “No Brasil, já são mais de 100 PPPs assinadas”, justificou, negando que isso signifique a privatização do saneamento.

Ramiro Rosário disse que a questão é matemática. “Não tem ideologia ou cor partidária”. Para ele, Porto Alegre não pode perder a oportunidade que está posta pelo BNDES, que abriu linhas de financiamento para as Parcerias Público Privadas e precisa garantir a sua posição de vanguarda. Luciane Skrebsky Freitas, diretora do DMAE, complementou afirmando que para a ampliação da rede de esgoto são necessários R$ 100 milhões/mês de investimentos. Se somado ao tratamento e distribuição de água, o valor chega a R$ 150 milhões/mês, o que supera em muito a capacidade de investimento da autarquia. Ela ainda ressaltou que a diretoria aprova a ideia das parcerias e que a exemplo da Corsan, que já está mais avançada no processo, Porto Alegre deve se abrir para essa nova ferramenta, capaz de garantir a ampliação e a manutenção do serviço de saneamento na cidade. A diretora-geral do DMAE também ressaltou que o saneamento não é apenas uma questão de sustentabilidade ambiental. “Trata-se, igualmente, de uma ação que promove saúde pública”.

Para Maurício Fernandes, é preciso considerar que, “quando se trata de saneamento” o Rio Grande do Sul está atrás de outras unidades da federação como o Espirito Santo, Bahia, Paraíba e Roraima. E nesse contexto é importante ressaltar que Porto Alegre e as cidades da Região Metropolitana representam 25% dos números regionais. Ele lembrou que Porto Alegre, em comparação com outras cidades gaúchas, está bem posicionada, “muito por causa do Programa Integrado Socio-ambiental (PISA), que, no entanto, beneficiou apenas a Zona Sul da cidade e, ainda, requer novos investimentos para colocar efetivamente em pleno funcionamento e, também, para manutenção, a Estação de Tratamento de Esgotos Serraria. “Já a Zona Norte carece de grandes investimentos, os quais, hoje, o município não tem condições de arcar”, destacou. Ele ainda afirmou que a legislação federal avançou e o projeto prevê a atualização das leis municipais que tratam do tema.  

Contras

Diretor Regional da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae), Álvaro Alencar posicionou a entidade contrária à privatização do setor. Entretanto, disse que não há restrições no caso de parcerias público privadas, mas que cabe ao Executivo, em um amplo debate com a população, decidir se elas são viáveis ou não. “A privatização prejudica, encarece e precariza os serviços, isso quando não envolve práticas nada republicanas”, justiçou. Quanto às PPPs, alertou que é preciso muito cuidado na análise dos contratos a serem firmados, garantindo ao Estado o poder de fiscalização e controle da gestão.

Para Jussara Pires, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Ambiental (Abes), o problema não está na realização das PPPs, mas no fato de que o governo diz uma coisa e, no texto, o projeto diz outra. “Falam que não vão privatizar, mas não é o que diz o projeto, que abre a porta dando completa autonomia ao governo”, ressaltou. Ela cobrou mais transparência do governo no debate e sugeriu que o projeto seja retirado para ser amplamente debatido com a sociedade, com os servidores, com as entidades técnicas, acadêmicas e ambientalistas. “Da forma como foi colocado, gerou muitas dúvidas que precisam ser esclarecidas”, ratificou. Ainda recordou que o DMAE tem capacidade de investimento e sempre foi tratado como o “primo rico” da administração municipal.

Marília Longo, coordenadora da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS), disse que o projeto, da forma como está redigido, contradiz a norma federal. “A matéria não utiliza as terminações corretas e, portanto, não pode ser considerada tecnicamente correta”. Lembrou ainda que Porto Alegre tem uma posição historicamente conhecida por não permitir a concessão de serviços como o do saneamento e que o governo deve esclarecer muito bem no projeto e para a população as diferenças entre concessão e privatização.

Antônio Elizandro, ex-diretor do DMAE, disse que o serviço realizado pelo DMAE é motivo de orgulho para a população e servidores do órgão, que recebeu vários prêmios e é uma referência regional e nacional de qualidade e eficiência, tanto tecnicamente como na gestão. Recordou que no ano de 2016 recebeu R$ 76 milhões da Agência Nacional das Águas (ANA), em parcelas mensais, que ainda estão sendo repassadas ao município, como prêmio pelo trabalho desenvolvido no PISA. Salientou que o DMAE tem plenas condições de buscar financiamentos, o que significa que está com as suas contas em dia. Também disse que, para efeito de cálculos de rede de esgoto, é preciso considerar que Porto Alegre tem um grande número de economias com esgoto misto, que também levam os resíduos para as estações de tratamento. Cobrou dos atuais gestores mais empenho na fiscalização das ligações irregulares das redes de água e esgoto. Quanto à balneabilidade do Guaíba, salientou que três dos quatro principais afluentes do Guaíba estão entre os rios mais poluídos do país.

O ex-prefeito e ex-diretor do DMAE, João Antônio Dib, destacou a capacidade técnica e de financiamento da autarquia. Para ele, o problema é de gestão. Dib disse que não é contra as PPPs, mas se posicionou contrário à privatização e à instabilidade do discurso do Executivo. “Não vejo problemas no DMAE que justifique a sua privatização. O problema é que um dia o prefeito diz uma coisa, em outro dia diz outa coisa”, afirmou, arrancando risos da assistência lotada presente ao encontro na sala 301 do Legislativo Municipal. Dib sugeriu que o governo recrie o Centro de Estudos em Saneamento Básico (CESB) e observou ainda que para cada R$ 1,00 gasto em saneamento R$ 4,00 são poupados em saúde.

Adelto Rohr, diretor financeiro do Sindicato dos Municipários (Simpa), destacou que os servidores e o sindicato são “terminantemente contra o projeto”. A proposta do Executivo, explicou, abre uma “brecha para a privatização”. Ele ainda exaltou a qualidade administrativa do DMAE, lembrando que “os investimentos e o planejamento nos últimos anos garantiram um abastecimento de qualidade para a população”. Adelto rechaçou as posições de que é preciso ter lucro. “Empresa pública tem que dar superávit, permitindo, assim o aumento de sua capacidade de investimento”.

Vereadores

O vereador Aldacir Oliboni (PT) disse que o governo aposta na privatização de diversos órgãos e coloca em debate a privatização do que é atrativo e superavitário, como o DMAE, Carris e o Mercado Público. Sugeriu que a Cosmam centralize todo o debate em torno do tema da proposta que altera o saneamento da cidade na Lei Orgânica, com a realização de outros encontros e audiência pública.

Cláudio Janta (SD), líder do governo, rebateu a manifestação de Oliboni e afirmou que não existe qualquer possibilidade de privatização. Ele negou que essa seja a intenção do Executivo e que as manifestações ao contrário visam a politização do debate, o que não é interessante para a cidade. Airto Ferronato (PSB) lembrou que 90% dos servidores são contrários ao projeto e que água é sinônimo de vida. “Agora só falta privatizar a luz do sol e o ar que respiramos”.

Carús destacou que o poder Legislativo tem a sua independência e não é comandado pelo Executivo. Disse que é um vereador do bloco independente e não vê o projeto como um passo para a privatização do DMAE, mas entende que é salutar o aprofundamento do debate para que todos se sintam suficientemente esclarecidos.

Participaram também do encontro, além de Carús, Oliboni, Janta e Ferronato, os vereadores Paulo Brum (PTB), Mauro Pinheiro (Rede), Moisés Maluco do Bem (PSDB), José Freitas (PRB) e Dr. Thiago Duarte (DEM).

Texto: Milton Gerson (reg. prof. 6539)
Edição: Marco Aurélio Marocco (reg. prof. 6062)