Audiência Pública

Moradores pedem participação no Plano de Manejo do Delta do Jacuí

Dilda (e), Canal, Perello e Brasil (d), na audiência sobre o Plano de Manejo Foto: Vicente Carcuchinski
Dilda (e), Canal, Perello e Brasil (d), na audiência sobre o Plano de Manejo Foto: Vicente Carcuchinski
Dezenas de pessoas, principalmente pescadores e ilhéus, acompanharam, na noite desta segunda-feira (17/6), audiência pública promovida pela Câmara Municipal de Porto Alegre para debater o Plano de Manejo do Parque Estadual do Delta do Jacuí. Os trabalhos no Plenário Otávio Rocha, presididos pelo vereador Waldir Canal (PRB), também questionaram a implantação de Área de Proteção Ambiental (APA), conforme determinado por lei que criou o parque em 1976. “Precisamos de atenção redobrada sobre este assunto, pois temos de adequar o uso deste local à preservação ambiental e das riquezas naturais ali existentes”, destacou Canal ao citar que a questão envolve cerca de 200 famílias apenas na Ilha da Pintada, além de ações de pesca praticadas por perto de 1.200 pessoas.

As maiores queixas ouvidas durante as manifestações foram pelo desconhecimento sobre o Plano de Manejo, bem como a falta de definição na implantação da APA. Vilmar Coelho, presidente da Colônia de Pescadores Z5, disse estar preocupado: “Não aguento mais histórias disso ou daquilo, mas sempre sem solução”. Salientou que os moradores das ilhas se sentem ameaçados em sua atividade de sustento, a pesca. “É a nossa sobrevivência”, destacou ao afirmar que o estabelecimento da APA paira como uma ameaça sobre os moradores. “O pescador está lá, não sai de lá. Mas, o pescador não aguenta mais a indefinição se vai dormir e acordar no mesmo lugar”, lembrou. “Temos que terminar isto. E há solução: remanejar os moradores para dentro das próprias ilhas”, sugeriu.

Coelho destacou ainda que a Z5 promove, desde 2007, ações de cunho ecológico com o recolhimento de lixo do rio. “Já temos 150 barcos fazendo isso e na última vez tiramos 27 toneladas”, revelou. “Os órgãos oficiais não limpam o rio, mas querem tirar os pescadores de lá”, lamentou. “Só que o pescador é teimoso e não sai.” Outro pescador a se manifestar, Salomão de Souza Oliveira repetiu que os moradores estão cansados de esperar o Plano de Manejo. “Fazer um projeto dentro de uma repartição é uma coisa, mas quem está lá na margem presenciando prós e contra.” Oliveira lembrou que em 1919 o então governador Borges de Medeiros disse que a Ilha da Pintada seria lugar de moradia dos pescadores. “De 1919 até 1960 quem alimentava a cidade eram as ilhas. Agora vivemos sob pressão”, criticou. “Porto Alegre está de costas para o povo que fez a sua história’, disse ainda.

Conforme Waldir Canal, reivindicações apresentadas pelas comunidades foram definidas como encaminhamentos da audiência. A lista inclui pedido de respeito ao histórico das comunidades do Delta do Jacuí com garantia de permanência dos moradores e da infraestrutura consolidada antes da criação da APA. Também foi solicitada a permanência da atividade pesqueira e o estabelecimento de políticas para o desenvolvimento do turismo na região além de ser estabelecido diálogo com a comunidade em linguagem de fácil compreensão sobre o Plano de Manejo, especialmente no que diz respeito às áreas residenciais e atividades pesqueiras. Foram ainda solicitadas cópias do Plano de Manejo para que a comunidade possa tomar conhecimento e apresentar sugestões.

Manifestações

Luís Fernando Perello, secretário adjunto do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, lembrou audiência realizada recentemente na Assembléia Legislativa, quando foi apresentado o que havia até então sobre o Plano de Manejo. “De lá para cá as coisas não evoluíram muito”, disse ao revelar, contudo, que os trabalhos técnicos estão concluídos. Conforme Perello, é sabido que as maiores preocupações das comunidades são sobre a Zona de Amortecimento, região em torno do parque. “É onde está o maior contingente de moradores”, destacou. O secretário disse que o perímetro desta zona está sendo revisado até porque foi verificado que a área proposta para o Parque se sobrepõe a da APA. Perello assegurou que, ao final dos trabalhos, a proposta do Plano de Manejo será disponibilizado para comunidade que poderá se manifestar.

O promotor Luciano de Faria Brasil, que acompanhou os debates, assegurou que o trabalho do Ministério Público será o de garantir a implantação do Parque do Delta do Jacuí e da APA sempre considerando a dignidade das comunidades que ali estão assentadas. Ao recapitular a questão, Brasil lembrou que a cidade cresceu de costas para o Guaíba. “A consequência prática disso é que os moradores das ilhas ficaram à margem, e o Poder Público quase nada alcançou a elas, e, quando alcançou, foi por demandas comunitárias.” O promotor considerou ainda as reivindicações dos ilhéus e pescadores legais e constitucionais.
 
Membro da congregação marista, irmão Laurindo disse trabalhar com as comunidades das ilhas há mais de 13 anos. “Pelo que ouvi, acredito que daqui para a frente teremos passos mais firmes”, destacou. O religioso listou ações consideradas de urgência entre as quais construção de galpão para trabalho com resíduos sólidos destinado a moradores das ilhas do Pavão e dos Marinheiros, além da demarcação das áreas da APA e do Parque. “Ninguém sabe onde começa uma e até aonde vai a outra. É preciso demarcar com urgência, principalmente onde tem moradores.” Irmão Laurindo também pediu que a prefeitura prepare de imediato área para reassentamento dos moradores que serão removidos em função da nova travessia do Guaíba: “a ponte não vai demorar”.

Integrante da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Udo Silvio Mohr disse viver décadas de decepção sobre o Parque do Delta do Jacuí. “Este ambiente natural tem que ser preservado”, solicitou. Mohr, porém, disse que, além da preservação, é necessário ser considerado o povo que mora na região. “Esta população é que conhece o Delta e deve ser aproveitada”, salientou o ambientalista ao destacar o potencial turístico da região. Mohr também criticou a falta de sequência em projetos como a recuperação da Casa da Pólvora, onde forma aplicados R$ 3 milhões. “Estão indo por água abaixo por não ter havido continuidade”, revelou. “Nós temos que fazer alguma coisa, não podemos ficar parados”, conclui.

Margens

Também participaram da audiência Domingos Sávio Salvador, vice-prefeito, e vereadores de Eldorado do Sul. Fábio Leal, da Câmara Municipal daquela cidade, criticou o fato do Plano de Manejo proposto não atingir as margens do Guaíba no lado de Porto Alegre. “Em Eldorado nem o pé dentro da água podemos colocar”, disse ao citar as obras de recuperação do Cais do Porto na Capital em referência a proibições existentes nas outras margens. “Se o Guaíba recebe vento sul, todo o lixo de Porto Alegre vai para Eldorado,”, lamentou ainda. Leal igualmente criticou a falta de participação das comunidades na elaboração do Plano de Manejo. “Não vai dar certo se não tiver a participação dos moradores, não haverá fiscalização suficiente.”

A audiência pública contou igualmente com as presenças do vereador Airto Ferronato (PSB), do secretário municipal de Meio Ambiente Cláudio Dilda, do deputado estadual Carlos Gomes (PRB), do major Rodrigo Gonçalves dos Santos, do comando Ambiental da BM, além de outras entidades comunitárias da região das ilhas.

Texto: Helio Panzenhagen (reg. prof. 7154)